segunda-feira, fevereiro 26, 2007

A JUSTIÇA TARDA, MAS NÃO FALHA

Surpresas? Algumas, mas nada de extraordinário. A cerimônia de número 79 do prêmio mais cobiçado do planeta foi marcada pelo esmero técnico, o humor refinado e um forte apelo pelo politicamente correto. O Oscar é um jogo de cartas marcadas, onde os premiados já são antecipadamente estabelecidos pelos prêmios dos sindicatos de classe e pelo forte lobby dos estúdios, além da incômoda imparcialidade de parte da crítica especializada que não faz cerimônia alguma ao alardear os seus favoritos e menosprezar os demais concorrentes.
A maioria dos sindicatos é composta por votantes da Academia e comumente os resultados coincidem, principalmente em quesitos técnicos como direção de arte, fotografia, som e montagem. Basta uma consulta rápida a esses resultados horas antes do evento para fazer bonito nos inúmeros bolões que proliferam por aí, facilitados pela agilidade da internet. Como toda regra tem a sua exceção, este ano tivemos duas discrepâncias gritantes: no quesito fotografia o ganhador do sindicato e franco favorito era Emmanuel Lubezki por “Filhos da Esperança”, mas quem ganhou foi Guillermo Navarro por “O Labirinto do Fauno”; enquanto que o riquíssimo figurino do filme chinês “Curse of the Golden Flower “, perdeu para o de “Maria Antonieta” (a incursão malfadada de Sophia Coppola pela vida da nobre francesa), até então ignorado pelo sindicato.
No tópico interpretação, quase não houve surpresas com a rainha de Helen Mirren consolidando a barbada do ano, Forest Whitaker confirmando o favoritismo e Jennifer Hudson (melhor coadjuvante) provando ser a melhor coisa de “Dreamgirls”, que surgiu como filme do ano e foi perdendo espaço desde o dia das indicações, quando ficou fora das categorias de Filme e Direção. Quanto a Eddie Murphy, a sua derrota para o veterano Alan Arkin (“Pequena Miss Sunshine”), não foi surpresa para quem esteve em Los Angeles nos últimos dias. Apesar de fortalecido pelas vitórias no Globo de Ouro e no SAG Awards, o astro teve a sua campanha prejudicada pelo lançamento de seu último filme, a comédia “Norbit” onde Eddie interpreta uma mulher gorda e asquerosa. A mega exposição do ator travestido em imensos outdoors pegou mal junto aos conservadores membros da Academia, formada em sua maioria por senhores e senhoras de idade avançada que não admitem certas ousadias.
Por falar em ousadias, esses mesmos membros que esnobaram no ano passado os cowboys gays de “O Segredo De Brokeback Montain” e deram o prêmio de melhor filme a “Crash”, tiveram que engolir a seco o primeiro beijo lésbico da cerimônia. A cantora Mellissa Etheridge, assumidamente lésbica, ao receber o prêmio de melhor canção pelo documentário “Uma Verdade Inconveniente”, beijou na boca a companheira e, para não deixar dúvida alguma, usou o microfone para agradecer a “mulher” pelo apoio dado e pelos quatro filhos maravilhosos (!). Tal atitude só corroborou a aura liberal da noite, comandada pela comediante (e também lésbica) Ellen De Generis que, de forma discreta e sarcástica, soltou inúmeras piadas de dupla sentido e contou com a presença da namorada , a linda atriz Portia De Rossi, na platéia.
No geral, foi uma festa divertida, onde os melhores momentos ficaram a cargo de um coral que representou os ruídos e sons necessários a confecção de um longa-metragem, e as pequenas e geniais inserções de um ballet performático, que usando a sombra dos bailarinos concebeu cenas de alguns dos filmes indicados.
A mais do que merecida homenagem a Ennio Morricone foi outro momento mágico e mostrou ao mundo um pouco do talento absurdo deste compositor italiano, responsável pela trilha sonora de mais de 500 filmes (!). E olha que ele está firme e forte aos 79 anos de idade.
Por fim, a premiação terminou com a esperada correção de uma das maiores injustiças de sua história. Quando o trio formado por George Lucas, Francis Ford Coppola e Steven Spilberg adentrou o palco do luxuoso Kodak Theather com o envelope que revelaria ao mundo o melhor diretor do ano, já se previa o nome a ser anunciado. Dito e Feito. Sorridente e com o humor que lhe é peculiar, Martin Scorsese vibrou como um iniciante e até pediu aos amigos que confirmassem se era mesmo o seu nome estampado naquele papel. De quebra, ainda viu o seu filme ser eleito o melhor do ano, botando na oficina a kombi velha de “Pequena Miss Sunshine” e na geladeira o caldeirão multi cultural proposto por “Babel”. Aliás, este último talvez tenha sido o maior derrotado da noite, ganhando apenas o Oscar de melhor trilha-sonora.
A seguir, a lista completa dos premiados:

Melhor filme: "Os Infiltrados"Melhor diretor: Martin Scorsese ("Os Infiltrados")Melhor ator: Forest Whitaker ("O Último Rei da Escócia")Melhor atriz: Helen Mirren ("A Rainha")Melhor ator coadjuvante: Alan Arkin ("Pequena Miss Sunshine")Melhor atriz coadjuvante: Jennifer Hudson ("Dreamgirls - Em Busca de um Sonho")Melhor filme estrangeiro: "A Vida dos Outros" (Alemanha)Melhor filme de animação: "Happy Feet: o Pingüim"Roteiro adaptado: "Os Infiltrados" (William Monahan)Roteiro original: "Pequena Miss Sunshine"Direção de Arte: "O Labirinto do Fauno"Fotografia: "O Labirinto do Fauno" (Guillermo Navarro)Figurino: "Maria Antonieta"Melhor documentário: "Uma Verdade Inconveniente"Melhor documentário de curta-metragem: "The Blood of Yingzhou District"Montagem: "Os Infiltrados"Maquiagem: "O Labirinto do Fauno"Trilha Sonora Original: "Babel" (Gustavo Santaolalla)Canção original: "I Need to Wake up" ("Uma verdade inconveniente")Melhor curta-metragem de animação: "The Danish Poet"Melhor curta-metragem: "West Bank Story"Edição de som: "Cartas de Iwo Jima"Som: "Dreamgirls - Em Busca de um Sonho"Efeitos Visuais: "Piratas do Caribe: O Baú da Morte"