segunda-feira, janeiro 30, 2006

QUANDO O QUE IMPORTA É O TAMANHO DA ALMA

O AGENTE DA ESTAÇÃO
The Station Agent. EUA, 2003. De: Thomas McCarthy. Com: Peter Dinklage, Patrícia Clarkson, Bobby Cannavale, Michele Williams, Paul Benjamin, Raven Goodwin. Visto Dez/2005 (Cinemax) 88 min
Sinopse/Comentário
Assisti a esse filme há alguns meses e é uma daquelas obras únicas, que deixam marcas indeléveis na memória, seja pela técnica, pelo tema ou vice-versa. Quanto mais falamos sobre ele e o assistimos novamente, mais gostamos. É como um bom livro que deixamos exposto na prateleira para ser aberto, sempre que possível, e novamente saboreado. O filme marca a estréia do pouco conhecido McCarthy, que sempre trabalhou como ator (ele está nos novos filmes de George Clooney: Syriana e Good Night, Good Luck) e trata de um tema bastante raro ao cinema americano atual: a condição humana. O protagonista é um anão que confecciona e conserta miniaturas (genial!), e após a morte do grande amigo e patrão, herda uma velha e desativada estação de trens. Quando chega ao local, ele é obrigado a conviver com várias figuras humanas que entram na sua vida sem pedir licença: a menina negra, que o enxerga como um novo e estranho amigo; a jovem bibliotecária, grávida e abandonada pelo namorado, que nutre uma estranha atração pelo anão; o divertido e expansivo latino dono de um trailer de café; e a artista plástica em forte processo depressivo, causado pela morte do filho único. Com esses dois últimos, ele forma uma fraterna e silenciosa aliança. Tornam-se inseparáveis e passam a ser o alicerce um do outro. Belas composições de todo o elenco, que foi indicado e conquistou vários prêmios da crítica. Patrícia foi a mais prestigiada coadjuvante do ano, chegando ao Oscar por outro desempenho em Pieces of April (2003), e Dinklage entra para história como o mais bem sucedido anão do cinema. Ele tem 1,40 metros de altura, já possui 24 filmes no currículo, está com 33 anos e pelo papel no Agente da Estação foi indicado como melhor ator nos respeitados SAG AWARDS e INDEPENDENT SPIRIT AWARDS. Uma curiosidade: ele atuou como dublê em 1997, na ótima serie Oz – A Vida é uma Prisão. O galã Cannavale ficou famoso pela série Will & Grace, onde interpretava o namorado do protagonista gay e foi casado coma filha do renomado diretor Sidney Lumet. Michelle Williams veio da série Dawson´s Creek e está no prestigiado Brokeback Montain (2005) de Ang Lee. Para finalizar, tenho que destacar a hilária cena do personagem principal, quando este vai fazer compras num pequeno mercado e é fotografado, sem discrição alguma, pela dona do local. É um momento explícito de como alguns seres humanos de estatura normal, conseguem ser mais “baixos” do que os anões.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

UM SENTIMENTO UNIVERSAL

DELICADA RELAÇÃO
Yossi & Jagger. Israel, 2002. De: Eytan Fox. Com:Ohad Knoller,Yehuda Levi,Assi Cohen, Aya Steinovitz, Hani Furstenberg,Sharon Raginiano, Yaniv Moyal, Hanan Savyon,Erez Kahana. 65 min
Sinopse: Uma base militar localizada na fronteira de Israel com o Líbano abriga jovens soldados, homens e mulheres. Yossi (Ohad Knoller) é o comandante do grupo, um homem duro que mantém a todo custo sua postura rígida e a fama de mau. Jagger (Yehuda Levi), o segundo na hierarquia do quartel, tem uma personalidade mais sensível, apesar de também encarar seu trabalho com seriedade. Uma vez juntos, os dois militares vivem uma história de amor proibida que tentam esconder dos demais membros da tropa a todo custo. No entanto, o esforço fica ameaçado quando a recruta Yaeli (Aya Steinovitz) se declara apaixonada por Jagger
Comentário
Acima de raça, credo ou sexo, este é um filme de amor. Amor universal, que acomete jovens, velhos, pretos, brancos, homens, mulheres e todos aqueles abertos ao frescor deste sentimento que deixa leve a alma e faz pulsar mais forte o coração. Yossi é o comandante de um pequeno batalhão das forças armadas israelenses, alocado numa base situada na fronteira de Israel como o Líbano. Sério e concentrado nas tarefas, ele só baixa a guarda quando está ao lado do seu subordinado direto, Lior. Este, por sua vez, é calmo, alegre e destemido, apelidado pelos colegas de Jagger, por ser belo e admirado como uma estrela de rock do porte de um Mick Jagger. Quando está sozinho, ao lado de Yossi, ele vira uma criança. Tendo como cenário as gélidas montanhas rochosas e como testemunhas pequenos animais, eles largam as armas, esquecem as fardas e revelam-se amantes. Numa relação que não ousa dizer seu nome e resume-se aos poucos e rápidos momentos em que os dois conseguem ficar a sós. Quando retornam a base militar, engolem o sentimento e sufocam o amor dentro do peito. Mas esquecem do olhar. Ah, o olhar! Capaz de revelar mais do que mil palavras seriam capazes de expressar. Mas mesmo com tanto sinais, os demais colegas estão mais preocupados em salvar os próprios umbigos e enxergam a relação do dois como uma amizade fraternal. Aliás, o filme tem início com uma bela metáfora: os militares, animados, cavam uma cova para enterrar a comida que apodreceu, como se colocassem a sujeira para baixo do tapete, escondendo a realidade dos fatos, assim como Yossi esconde o seu amor por Jagger.
Mas, eis que surge a mulher. Aliás, duas mulheres. São recrutas que também estão a serviço do exército. Uma é amante do coronel e exala sexo pelos poros. A outra é romântica e angelical, e está decidida a declarar o amor platônico que nutre por Jagger. Ela o acha diferente dos demais e sente-se atraída por isso, enquanto é admirada a distância por outro recruta, o sargento Ophyr. Decidida, vai pedir ajuda a Yossi, o suposto melhor amigo do alvo de sua paixão. Este sorri ,fica sem graça e parte para uma inesperada emboscada exigida pelo carrancudo Coronel. Antes, os amantes discutem. Jagger quer abandonar tudo e viver abertamente o seu amor, mas Yossi prefere o mundo das aparências ao invés da realidade da paixão. Enfrentar as bombas dos inimigos é mais fácil do que fugir dos olhos de desprezo dos colegas de corporação. E é justamente uma bomba, durante a emboscada, que tira a vida do seu amado Jagger. Essa cena é comovente e revela o sentimento profundo que unia esses dois.
Após o enterro, na casa dos pais de Jagger, a mãe e a recruta apaixonada conversam e chegam a triste conclusão que não conheciam os gostos e as preferências do jovem, quando são interpeladas por Yossi, que enche o peito e cita o nome da música preferida do rapaz. Um forte sentimento de alívio e contentamento percorre o seu ser, ele sorri discretamente. Naquele instante, teve a certeza que foi a pessoa mais importante na curta vida do belo e doce Jagger. Um belo final, para um filme curto (65 min), feito com câmera digital e muito bem interpretado por um elenco jovem e bonito.
O diretor é nascido em Nova York, mas foi viver aos dois anos de idade em Israel por circunstâncias familiares, e logo depois dirigiu outro projeto com temática gay, o filme Walk on Water (2004). Yossi & Jagger recebeu seis prêmios internacionais e foi sucesso de público e crítica no Brasil.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

O DEFENSOR DE PORCOS

A HORA DO PORCO
The Hour of the Pig(título alternativo The Advocate). Ingl., 1993. De: Leslie Megahey. Com: Colin Firth, Ian Holm, Nicol Willianson, Amina Annabi, Donald Pleasence, Michael Gough, Harriet Walter, Lysette Anthony. OP-14/DR. Visto 22/01 (Band) 117 min
Sinopse
Na França, em plena Idade Média, os animais também eram acusados,julgados e condenados como autores de crimes, assim como os seres humanos. Neste contexto histórico, um jovem promotor enfrenta conflitos éticos e morais ao ter que defender um porco, acusado de matar um garoto judeu.
Comentários
Existem documentações que comprovam mais de 90 casos de animais levados aos tribunais sob a acusação dos mais diversos delitos, entre a segunda metade do século XIV e o início do século XV. Esta prática comum na era medieval, pouquíssimas vezes foi abordada e torna esse filme único e original. A primeira cena é hilária e resume bem o espírito da obra. Um homem seminu e uma jumenta, colocados lado a lado, com a corda no pescoço, diante de uma platéia ávida e acostumada com o espetáculo do enforcamento, recebem a sentença. O homem,foi condenado pelo fato de ter violado a jumenta, algumas galinhas, duas ovelhas. A jumenta, por ter se entregue aos prazeres da luxúria, sem criar barreiras ou objeções. Os rituais vão começar quando,de repente, tudo para. Um soldado traz, por escrito, o perdão do rei. O homem, aliviado, sorri. Triste engano, a absolvição é para o animal. A platéia aplaude. A jumentinha volta para casa e o homem morre pendurado pelo pescoço. Após essa introdução, somos apresentados ao protagonista, um jovem e idealista advogado de defesa (Firth, antes de virar o namoradinho de Bridget Jones) que chega a uma vila no interior da França e se depara com miséria, violência e um sistema judicial totalmente corrompido pela nobreza local, cujo maior expoente é o senhor Jehan D´Auferre (Nicol Willianson). Torna-se amigo do pároco local (Sir Ian Holm), cujo passatempo predileto é transar com mulheres casadas, e se envolve emocionalmente com uma imigrante egípcia (a tunisiana Annabi), vítima da pobreza e do preconceito racial. Passa a atender vários clientes, até ser obrigado a defender um porco, pertencente a egípcia, que supostamente teria assassinado um garoto judeu. No decorrer do processo, será ameaçado e descobrirá que o animal é um mero pretexto para esconder o verdadeiro criminoso, que se esconde sob os véus da riqueza e do poder. O filme termina com a chegada da peste negra, responsável pela morte de milhões de pessoas e o extermínio de cidades inteira. A doença chega a cavalo, na metafórica figura do poderoso cavaleiro medieval, que esconde por baixo da armadura reluzente as feridas feias e dolorosas da peste que se anuncia. A morte vem a cavalo e encanta a todos pela irresistível beleza. O filme é bem feito, com ótima direção de arte e belos figurinos, mas resulta lento em certos momentos. Talvez com 20 minutos a menos ficasse melhor, mas como está já vale a pena.

quarta-feira, janeiro 18, 2006

EM BUSCA DA PRÓPRIA EXISTÊNCIA

FILME DEMÊNCIA
Idem, Brasil,1986. De: Carlos Reichenbach. Com: Ênio Gonçalves, Emilio Di Biasi, Imara Reis, Fernando Benini, Alvamar Taddei, Vanessa, Renato Máster, Roberto Miranda, Rosa Maria Pestana, Orlando Parolinni. A/DR. Visto em 15/01 (CineBrasil TV). 90 min.
Sinopse
Um pequeno industrial de cigarros, falido economicamente e em crise doméstica, sai de casa e passa a refugiar-se nas visões sobre um suposto paraíso. Na busca pelo idealizado Éden, cruza com vários personagens: o amigo malandro, a amante, prostitutas, cafetões e outras figuras estranhas.Como na lenda de Fausto, passa a ter alucinações com Mefisto, que durante a história lhe aparecerá de várias formas, ora como traficante noturno, ora como uma cândida velhinha, ou como um louco mendigo
Comentário
Reichenbach é um caso único dentro da cinematografia brasileira. Enquanto o cinema novo teve como berço o Rio de Janeiro e como condutores os jovens cineastas que se instalavam na terra da garota de IPANEMA, nascidos no próprio Rio e/ou vindos de outras regiões brasileiras, Carlão (apelido carinhoso e proporcional aos quase dois metros de altura) e seus amigos instalaram as bases do novo cinema paulista que surgia no final dos anos 60. Sem compromisso algum com ideais políticos e sem ajuda de órgãos públicos como a Embrafilme, desenvolveram um cinema autoral livre e jovem, bancado pela iniciativa privada nacional e com forte apelo popular. Acompanhando a evolução dos costumes sociais e pegando carona na revolução sexual, as produções começaram a ficar mais apimentadas e o público ,cada vez mais curioso e excitado, comparecia em massa as salas de exibição. Amparados por histórias divertidas, baseadas nas chanchadas produzidas nos anos cinqüenta, e com pitadas de sexo e muita, mais muita mulher pelada, os filmes paulistas inauguraram um dos gêneros mais rentáveis do cinema nacional: as pornochanchadas .Foi um período profícuo, onde até os cariocas pegaram carona na novidade e muitos expoentes do “cinema novo” tiveram que incluir mais sexo nas suas obras. Apesar da forte censura imposta pelo regime militar, os cineastas produziam sem parar e só foram barrados pelo advento dos videocassetes e das baratas produções com sexo explícito. Alguns tiveram que usar pseudônimos e aderir a nova moda erótica, colocando no mercado títulos toscos e de mau gosto como “Senta no meu, que eu entro na tua”, “Oh, rebuceteio!”, “Como afogar o ganso” e daí para baixo. Mas o grande golpe veio anos depois, com a sumária extinção da Embrafilme pelo Governo Collor. Era o fim de qualquer resquício de produção nacional, que levaria anos para se recuperar e iniciar uma nova e gloriosa fase, com obras do quilate de Central do Brasil e Cidade de Deus. Mantendo-se a margem,,Carlão conseguiu o feito notável de filmar ininterruptamente até os dias de hoje e nunca ter feito concessões comerciais dentro das suas obras. É verdade que fazia uso de títulos com apelo erótico como “A Ilha dos Prazeres Proibidos” e “Império do Desejo”, mas nunca perdeu o foco na construção de roteiros instigantes e na elaborada parte técnica de seus filmes. É um excelente e premiado diretor de fotografia e ganhou uns trocados na época dos explícitos trabalhando nessa área no filme de amigos. Foi favorecido pelo fato só ter usado o dinheiro público uma única vez dentro da suas extensa filmografia. Isso ocorreu na elaboração da sua obra mais pessoal e hermética: Filme Demência. Com um roteiro que mescla dados biográficos(o diretor é filho e neto de industriais) e muita filosofia (vemos na tela frases de Goethe, e várias referências a Murnau e outros cineastas), é uma adaptação muito pessoal da lenda de Fausto, que vende a alma a Mephisto em troca do suposto paraíso. O Fausto de Reichenbach é um industrial falido que sai pelas ruas noturnas de São Paulo tentando compreender a própria existência, e é perseguido por um Mefisto detentor de várias personalidades (mendigo,velhinha) e atormentado pelas visões de uma praia e de uma menina misteriosa. É um exercício lingüística que irá fascinar alguns e irritar outros, mas é inegável o seu valor. Por falta de recursos(na época a Embrafilme já passava por dificuldades), a filmagem foi interrompida três vezes e só foi concluída graças a persistência do diretor e dos atores centrais: Ênio Gonçalves, como um atormentado Fausto, e Emilio Di Biasi, no papel do travestido Mephisto. Ame-o ou deixe-o. Premiações:Festival de Gramado: Melhor Diretor (Carlos Reichenbach), Melhor Ator Coadjuvante (Emílio Di Biasi), Melhor Atriz Coadjuvante (Imara Reis), Melhor Montagem (Eder Mazini) e Prêmio da Crítica (Melhor Filme)* 3º Rio Cine Festival: Melhor Ator (Ênio Gonçalves) e Melhor Trilha Sonora (Manoel Paiva & Luiz Chagas)* Troféu Macunaíma - Federação Nacional de Cine-Clubes (melhor filme de 86) Festivais Internacionais Rotterdam, Salssomagiore, Montreal, Edinburg, Ghent, etc.* Votado no Festival de Rotterdam para o prêmio de "filme inovador do ano".

sexta-feira, janeiro 13, 2006

TRANCADA POR DENTRO

MON PÈRE EST INGÉNIER
Idem, França, 2004.. De: Robert Guédiguian. Com: Ariane Ascaride, Jean-Pierre Darroussin, Gerard Meylan, Pascale Roberts, Jacques Boudet. Visto em 12/01 (TV 5).
Sinopse
Médica pediatra, que reside no subúrbio de Marselha e atende aos pobres e imigrantes locais, sofre colapso nervoso e entra num profundo estado de catatonia, ficando sem falar ou emitir qualquer reação física. O antigo namorado, também médico, retorna para tratá-la e descobrir as causas do seu mal súbito.
Comentário
Guédiguian é muito respeitado na França e tem um estilo muito particular de cinema. Filma sempre com o mesmo trio central, composto pela musa e esposa Ariane e os atores Darroussian e Meylan, e usa como locações a sua cidade natal, Marselha. Comunista convicto, é um dos poucos que ataca frontalmente a decadência social do capitalismo e toca nas mazelas geradas pela globalização desenfreada e inconseqüente, como o desemprego e o crescente preconceito contra os imigrantes. Esse filme chega a ser premonitório, pois antecipa em um ano os atos de vandalismo ocorridos na França , em decorrência do ódio racial contra os estrangeiros, relegados aos subúrbios e aos subempregos. A trama retrata como eles vivem segregados em guetos, rodeados pela miséria, e já prevê um forte movimento organizado de reação. Para botar mais lenha na fogueira, o diretor solta farpas contra o racismo na figura do pai hipócrita, que trai a esposa e não aceita o namoro da filha com um garoto árabe; a indústria farmacêutica e a falência do sistema público de saúde, no violento diálogo travado entre o médico que está decidido a abandonar o cargo que ocupa no Ministério da Saúde e um outro colega; e a omissão social da Igreja Católica, nos momentos em que a heroína escuta a história bíblica e se imagina na pele de uma Virgem Maria contemporânea, grávida, pobre e excluída. Um filme para poucos, com um desenvolvimento lento e muitas idas e vindas narrativas, pois a trama central trata da investigação feita por renomado médico das razões que levaram uma antiga paixão de infância a sofrer um violento colapso nervoso, ficando muda e incapacitada.

A CARTA MISTERIOSA

UM DIA EM NOVA YORK
The Daytrippers. EUA, 1996. De: Greg Mottola. Com: Hope Davis, Parker Posey, Ane Meara, Stanley Tucci, Liev Schreiber, Pat McNamara, Campbell Scott, Marc Grapey, Márcia Gay Harden. Vsto em 11/01 (Globo). 87 min.
Sinopse
Jovem esposa descobre misteriosa carta de amor nos objetos do marido. Junto com os pais e a irmã mais nova, decide ir a Nova York para descobrir a autora da carta e encontra pelo caminho com vários personagens estranhos e divertido
Comentário
Ainda existe vida inteligente no cinema norte americano. Infelizmente, está escondida nas produções independentes que raramente estréiam por aqui e quando são lançados tem uma distribuição limitada. É o caso dessa comédia agridoce que trata com talento do tão manjado tema das relações e desavenças familiares. No caso, a jovem Elize (a ótima Hope Davis) descobre uma estranha carta de amor endereçada ao marido por uma certa Sandy. Na busca pela verdade, resolve ir ao encontro do marido em Nova York e envolve a mãe controladora, o pai dominado e calado, a irmã mais nova e o namorado metido a intelectual desta, numa improvisada viagem. Devido a vários desencontros, eles se envolvem com hilários e estranhos personagens: o nerd que abriga o pai foragido, por não pagar pensão alimentícia; o escritor metido a conquistador ( Campbell Scott como coadjuvante); as irmãs que dividem o patrimônio deixado pela mãe (dividem até os comprimidos!):; e a mulher ainda apaixonada pelo ex-namorado (feita por Márcia Gay Harden, futura ganhadora do oscar por Pollock). Ao final do dia, verdades são ditas, decepções acontecem e as máscaras caem. O marido é encontrado e a verdadeira Sandy é revelada (essa é a grande sacada do roteiro). Um belo filme, centrado nos ótimos diálogos e com um excelente elenco, com destaque para a veterana Anne Meara, mãe de Ben Stiller, que está esplêndida como a mãe dominadora, espaçosa e dramática. A ótima trilha sonora lembra muito a nossa bossa nova. O diretor até o momento só dirigiu este longa para o cinema, depois fez um telefilme e atualmente dirige episódios da ótima série Arrested Development.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

AMARELO: A COR DO MISTÉRIO

LE MYSTÉRE DE LA CHAMBRE JAUNE Idem, França,2003. De: Bruno Podalydès. Com: Denis Podalydès, Pierre Arditi, Sabine Azema, Jean-Noël Brouté, Olivier Gourmet. S/L. Visto em 10/01/06 (Cinemax). 119 min Sinopse Numa casa envolta em mistério, a filha de um renomado professor quase foi morta dentro de um quarto amarelo. Interessados no caso, um jovem repórter e seu amigo fotógrafo vão ao castelo de Glandier determinados a descobrir quem é o criminoso e por que tentou matá-la. Comentário Os irmãos Podalydès chamaram atenção logo na estréia, quando o filme DIEU SEUL ME VOIT (1998) ganhou o César de melhor primeiro trabalho e o humor da obra foi comparado aos dos filmes de Woody Allen. Este é o terceiro filme deles, sempre com Bruno na direção e Denis como protagonista, além de dividirem a autoria do roteiro. Neste caso, optaram por adaptar um famoso livro de mistério francês que já havia sido filmado antes, e que relata um estranho caso de suposto assassinato. A vítima foi atacada num quarto todo amarelo (daí o título original), que estava trancado por fora e possuía grades na única janela. Do lado de fora, estavam o pai e alguns empregados, que abriram a porta após ouvirem gritos e um tiro. Dentro, estava a jovem desfalecida e a mancha de uma mão ensangüentada na parede. Para desvendar o crime, entra em cena o renomado inspetor Larsan (vivido pelo veterano Arditi) e um bando de curiosos, como um juiz metido a escrito e um repórter incoveniente, que desvenda toda a trama. A investigação é filmada de maneira minuciosa, com direito a letreiros que explicam a ação, como se fosse um filme mudo. Tem produção caprichada e bela fotografia, mas resulta muito longo e, por vezes, cansativo. O elenco é de primeira, mas a grande atriz francesa Sabine Azema tem pouco a fazer como a vítima indefesa, assim como Olivier Gourmet, protagonista de O FILHO dos Dardenne, aqui como coadjuvante fazendo o noivo e principal suspeito. Foi a primeira vez que um filme dos talentosos irmãos franceses passou no Brasil, graças as bombas americanas que ocupam em excesso as poucas salas de exibição. Graças a Santa Tecnologia podemos contar com as tvs por assinatura, DVDs e programinhas legais como o emule.

domingo, janeiro 08, 2006

ESTRANHOS NO NINHO

O cinema já retratou algumas vezes a loucura humana nas suas diversas formas de manifestação. Atores e atrizes ganharam prêmios com impressionantes e perfeitas caracterizações, e foram consagrados mundialmente. Mas muitas vezes esquecemos de citar que verdadeiros deficientes mentais fizeram carreira no cinema chegando, inclusive, a ganhar prêmios (!). Um caso marcante é o do alemão Bruno S., descoberto pelo diretor Werner Herzog, quando este assistiu a um documentário de 1970, sobre a sua vida. Filho de uma prostituta, foi abandonado pela mãe aos três anos de idade e passou os 23 anos seguintes em várias instituições para doentes mentais, até que recorreu a justiça, conseguiu alta médica e tornou-se um músico e pintor andarilho. Sua vida mudou em 74, quando Herzog lhe ofereceu o papel título no filme O ENIGMA DE KASPAR HAUSER, um sucesso mundial. Em seguida, ainda trabalharam juntos em STROSZEK (1977), mas a parceria terminou aí. Herzog enfrentava muitos problemas para ensaiar Bruno, que não conseguia decorar as poucas falas e tinha dificuldade até de se posicionar corretamente diante das câmeras. Muito do que se vê em KASPAR HAUSER é espontâneo. Após essas duas experiências, Bruno não fez mais nada em cinema e seu paradeiro é desconhecido.
Um fato recente e que gerou repercussão internacional, aconteceu no renomado Festival de Cannes. Em 1999, o júri era presidido pelo polêmico e esquisito diretor David Cronenberg e surpreendeu o público com as estranhas escolhas na noite de premiação. Num ano repleto de obras do calibre de TUDO SOBRE MINHA MÃE(Almodóvar) e A CARTA (Manoel de Olivera), resolveram prestigiar o lento e difícil A HUMANIDADE, do francês Bruno Dummont. Ele recebeu o Grande Prêmio do Júri (segundo em importância, o principal é a Palma de Ouro que ficou com o belga ROSETTA, dos irmãos Dardenne) e os protagonistas, ambos amadores e desconhecidos, foram nomeados melhor ator e melhor atriz do Festival. Quando a ator, Emannoel Schotté, subiu ao palco para receber o seu prêmio, a surpresa foi geral. No filme, ele é um investigador que fala pouco e tem um visível déficit mental, como era a sua estréia todos pensaram, principalmente o júri, que ele estava interpretando. Grande engano, o que Emannuel faz no filme é ser ele mesmo, agir como se não estivesse atuando. Que gaffe! Até o presente momento, o rapaz ainda não fez outro filme e o Festival desde então mudou o seu diretor e está mais cauteloso com a escolha do júri.
Antes de terminar, não posso deixar de lembrar da louca mais famosa a brilhar nas telas. Aliás, suposta louca, pois muitos pontos da sua trajetória são questionáveis. Loura,bela e inteligente, Frances Farmer, teve a trágica vida filmada em 82 e personificada magistralmente por Jessica Lange. Nascida em Seattle, no ano de 1913 e filha de um bem sucedido advogado, desde cedo se destacou nos estudos e começou a flertar com os ideais comunistas. Esse flerte tornou-se paixão quando ela ganhou um prêmio literário promovido por revista local e foi premiada com uma temporada na União Soviética. De volta aos EUA, estudou jornalismo e drama na Universidade de Washington e foi tentar a sorte em Nova York. Lá participou de peças teatrais e foi descoberta por agentes do estúdio Paramount, onde assinou contrato de 07 anos e fez a sua estréia no cinema com o filme TOO MANY PARENTS (1936), de Robert McGowan, dando início a uma promissora carreira cinematográfica. O seu caráter independente e a sua instabilidade emocional, aliados a uma insuspeitável tendência ao alcoolismo, geraram problemas com o famoso estúdio e o seu contrato foi cancelado em 42. No final desse mesmo ano, foi detida por dirigir embriagada e declarada "mentalmente incompetente". Iniciava-se aí o seu calvário por vários sanatórios, com direito a choques elétricos e lobotomia cerebral. Só recebeu alta em 1949 (!) e nunca mais conseguiu reerguer a sua carreira, só realizando mais um único filme em 1958. Teve um programa de TV que durou 06 anos, casou três vezes e morreu de cancêr em 1970, aos 56 anos. Talvez a sua loucura maior foi ter sido transgressora e muito avançada para o seu tempo, ou talvez inteligente demais para personificar o papel da loira burra e sensual, tão comum na década de 30 em Hollywood. Enfim, são suposições sobre uma matéria muito difícil de ser estudada: a condição humana. E para finalizar, eu pergunto: O que é a loucura, afinal? Responda se for capaz, pois".....louco é quem me diz, e não é feliz, eu sou feliz..........".

quinta-feira, janeiro 05, 2006

A ENGOLIDORA DE ESPADAS

Esta inocente jovem, chama-se Linda. Mais precisamente, Linda Susan Boreman, nascida no dia 10 de janeiro de 1949, em pleno bairro do Bronx, Nova York. Começou a carreira como engolidora de espadas no meio circense e foi catapultada ao estrelato mundial quando deixou o instrumento original de trabalho e passou a engolir outro, mais roliço e menos cortante que as lâminas que manuseava. Já com o nome artístico de Linda Lovelace , protagonizou o maior hit do cinema pornográfico de todos os tempos: Garganta Profunda(1972). Na obra, ela descobre que tem o clitóris na garganta e passa a satisfazer os seus desejos carnais com muito sexo oral. A forma como realizava o fellation era inédita até então e tirou o filme das sombras das poucas e pequenas salas de subúrbio, destinadas aos tarados de plantão. Foi parar nos grandes cinemas e virou mania nacional, sendo assistido por cantores, atores hollywoodianos e artistas da moda. Até a justiça se manifestou, apreendendo cópias, proibindo a exibição em 23 estados e prendendo o ator principal por atentado ao pudor (o peludo Harry Reems). Dirigido pelo ex-cabelereiro Gerard Damiano, produzido pelo então marido de Linda, Chuck Trainor, e patrocinado pela Máfia, o filme foi feito em 06 dias, custou míseros dólares e rendeu milhões, tornando-se um dos mais rentáveis da indústria cinematográfica norte-americana. Antes dele, Linda participou de oito curtas em supper 8, sobre fetichismo, realizados pelo marido e depois fez apenas mais dois longas, ambos fracassos: a continuação de Garganta (Deep Throat II, 1974) , sem sexo explícito (!) e a farsa Linda Lovelace for President (1975) . Em 74, pede o divórcio a Chuck Trainor e alega que havia sido forçada por ele a fazer as cenas explícitas, tendo atuado sob efeito de hipnose. Se envolve com seitas religiosas e movimentos feministas, até reaparecer em 80 com o lançamento da controversa biografia Ordel, onde entre muitas revelações, alega ter sido mãe em 1969, aos 20 anos, e não ter conhecido a criança, entregue para a adoção. Morreu em 2002, num acidente automobilístico e perdeu a chance de ver o seu nome novamente na mídia através do documentário INSIDE THE DEEP THROAT(2005) de Fenton Bailey e Randy Barbato , que relata os percalços vividos por todos os envolvidos na produção do clássico pornô. Morreu esquecida e deixou dois filhos do segundo casamento. Triste fim para aquela que, com um único sucesso, tornou-se a maior estrela pornô do cinema.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

O SAPATO FURADO

VIVA SAPATO!
Idem. Brasil,2004. De: Luiz Carlos Lacerda. Com: Jorge Sanz, Laura Ramos, Irene Ravache, Ney Latorraca, Vladimir Cruz. Paula Burlamaqui, Maria Galiana, Caio Junqueira, Maitê Proença, José Wilker, Isadora Ribeiro, Marcelo Antony, Lea Garcia, Ângela Vieira, Paulo César Grande, Buza Ferraz. C/OP-14.
94 MIN. Assistido em 02/01 em DVD
Sinopse
Dolores (Laura Ramos) é uma bela dançarina cubana que decide abandonar seu casamento desastroso para abrir um restaurante à beira-mar, em parceria com a tia (Irene Ravache) que mora no Brasil. Precisando de dinheiro para concluir as obras do restaurante, Dolores fica furiosa ao receber como presente da tia um par de sapatos de dança em vez da ajuda financeira prometida. Sem dinheiro, vende os sapatos por alguns trocados. Todos os seus planos parecem ter ido por água abaixo, até que ela descobre que o dinheiro estava escondido nos grandes saltos dos sapatos.
Comentário
Realmente o diretor tem muitos amigos, e só essa conclusão é capaz de justificar a presença e as participações especiais de pessoas ilustres como o diretor Nelson Pereira dos Santos e o ator José Wilker,num papel pequeno e medíocre, nesta bomba chamada Viva Sapato!. Luiz Carlos Lacerda ou Bigode como muitos o chamam, circula pelo meio cinematográfico há muitos anos. Na década de 60 foi amigo inseparável da diva Leila Diniz e com ela rodou seu primeiro longa Mãos Vazias. Foi promovendo este filme num festival australiano, que o avião que levava atriz caiu e encerrou prematuramente a sua carreira. Depois de superado o trauma, Bigode dirigiu dois filmes obscuros e pouco vistos: Como era Freak o Meu Vale (1972) e Princípio do Prazer (1979); e participou da produção de vários filmes de outros diretores. Voltou triunfante em 1987 com a cinebiografia da inesquecível amiga. O filme Leila Diniz conta com uma exuberante interpretação de Louise Cardoso e ganhou inúmeros prêmios nacionais. Infelizmente, anos depois ele cometeu o infeliz For All- o Trampolin da Vitória, sobre a criação de uma base norte americana durante a Segunda Guerra no estado do Rio Grande do Norte e as conseqüência sociais dos costumes estrangeiros sobre a população local. A insistência de tornar o filme uma chanchada como as da Atlântida, criou um verdadeiro samba-do-crioulo-doido com vários personagens perdidos e subaproveitados. Por fim, ao vermos este Viva Saparto!, toda a credibilidade do diretor vem a baixo. História sem pé nem cabeça, personagens deslocados, cenas de sexo forçadas e uma suspeitável tendência de mostrar Cuba coma a última maravilha mundial. A pobreza e as dificuldades da população local não é evidenciada, e uma personagem brasileira vai buscar a glória e o dinheiro abrindo um restaurante em Cuba(!). Bigode devia pegar carona e filmar por aquelas praias, assim nos pouparia de obras como esta.

BLUE MOVIE

BLUE MOVIE
Idem. Holanda,1971. De: Win Verstappen. Com: Hugo Metsers, Carry Tefsen, Kees Brusse, Ursula Blauth, Ine Veen, Helmert Woudenberg. A/DR. Visto em 03/01 no PC (emule)
Sinopse
Jovem holandês sai da prisão e vai morar num apartamento de subúrbio, onde é acompanhado de perto pelo agente da condicional e pelas folgosas vizinhas que o usam como objeto sexual. Ao final, se apaixona por uma mãe solteira chamada Júlia e passa a ganhar dinheiro promovendo orgias e filmes em super 8 usando os vizinhos.
Comentário
Um estrondoso sucesso de bilheteria na Holanda. Menos pelas qualidades artísticas e mais pelo escândalo causado pelas fortes cenas de nudez (com direito a ereção) e sexo, que beira o explícito. Rodado quase que integralmente numa única locação, um bloco de edifícios de classe média em Amsterdã, foi produzido com poucos recursos pelo também cineasta Pim de La Parra. Foi o quarto longa do diretor, que morreu vítima de câncer em 2004, ocasião em que o filme foi exibido pela tv holandesa como homenagem póstuma. Do elenco, Hugo Metsers foi quem mais se destacou e fez uma carreira extensa com direito a outras obras recheadas de sexo (Frank & Eva, Alicia). O seu filho, Hugo metsers III, faz um bem sucedida carreira no novo cinema holandês. A obra ficou na história pelas ousadias, mas também apresenta um forte subtexto social quando relata a difícil integração de um ex-detento (neste ponto lembra muito Liberdade Condicional, de Ulu Gosbard e com Dustin Hoffman) e uma ácida crítica ao sistema, principalmente na cena em que o protagonista, já bem sucedido por promover orgias e produzir filmes pornôs, compra o silêncio do agente policial responsável pela condicional e mostra vários casais transando para evidenciar a falência moral da sociedade holandesa. Um filme com sexo, que critica a falta de limites e os excessos cometidos em nome do prazer. Só mesmo uma obra da década de 70 para gerar uma reflexão dessas, já que produção atual foge de temas tabus e parece, em certos momentos, assexuada.

AS DRAG QUEENS FAJUTAS

CONNIE E CARLA, AS RAINHAS DA NOITE
Connie and Carla. EUA, 2004. De: Michael Lembeck. Com: Nia Vardalos, Toni Collete, David Duchovny, Stephen Spinella, Robert John Burke, Debbie Reynolds. OP/C. Assistido em 01/01 pela HBO
Comecei o ano assistindo a essa comédia, que foi um retumbante fracasso nos EUA, apesar de ter como produtores os mesmos responsáveis pelo sucesso Casamento Grego, inclusive a Sra. Tom Hanks, Rita Wilson. A premissa do roteiro é a mesma de Mudança de Hábito, com Whoopi Goldberg: duas jovens cantoras sonham com o estrelato e se apresentam em restaurantes de quinta categoria, até que por acaso presenciam o assassinato de um traficante e são obrigadas a fugir para Los Angeles. Ao contrário de Whoopi que vai para um convento, elas se refugiam em bairro gay (as personagens são tão absurdamente inocentes que só percebem este detalhe quando vêem dois homens se beijando!) e fingem ser drag queens para realizar shows num bar local. Tornam-se um sucesso, inclusive pelo fato de cantarem ao vivo e não com playback, e são descobertas pelos bandidos. O que salva o filme são os divertidos números musicais das atrizes, que usam a própria voz e cantam muito bem. Mas é muito pouco para salvar esta obra, com péssimo roteiro e um final absurdo, com direito a Debbie Reynolds surgindo do nada e com todos os conflitos da trama sendo resolvidos no último momento, em pleno palco e diante da platéia. Toni Collete merecia coisa melhor do que servir de escada para a inferior Vardalos.