segunda-feira, julho 30, 2007

MORRE O ESTETA DA PSIQUE HUMANA

O cinema perdeu hoje um de seus grandes mestres. Acordamos mais tristes nesta manhã do dia 30 de julho, com a notícia da morte do sueco Ingmar Bergman, aos 89 anos de idade. Especialista em dissecar a alma humana em obras herméticas e permeadas de uma beleza singular que descrevia a psique humana sem filtros de retoque, Bergman teve uma carreira extensa composta de inúmeros filmes e peças teatrais e uma vida tumultuada, onde sobraram amantes e esposas (foram cinco casamentos!).
Dentre as cenas memóraveis que concebeu, fica na memória o jogo de xadrez com a morte da obra-prima "O Sétimo Selo". Durante mais de oitenta anos Bergman conseguiu ganhar a partida, mas foi derrotado neste último domingo. Provou que era persistente e deixou como legado uma obra de rara beleza. Vida eterna ao mestre da melancolia!

terça-feira, julho 24, 2007

TALENTO NU

RAW TALENT
Idem. EUA,1984. De: Larry Revene. Com: Jerry Butler, Lisa De Leeuw, Cassandra Leigh, Joey Silvera, Rhonda Jô Petty, Taija Rae, Ron Jeremy. A/C. 82 min.
Comentário:
Sem dúvida, é um dos melhores pornôs produzidos em película pela indústria americana antes da invasão do vídeo, que tomou conta e empobreceu criativamente o cinema hardcore a partir dos anos 90. Aqui ainda podemos contar com um elenco que sabe atuar e com um diretor que, além das tradicionais cenas eróticas, sabe priorizar o boa trama. E olha que ele conseguiu antecipar em quase dez anos uma história que seria melhor explorada e desenvolvida pelo esteta Paul Thomas Anderson, na obra-prima Boogie Nights (1997). O fio condutor é o mesmo: a ascensão e decadência de um astro pornô.
Aqui acompanhamos as tentativas frustradas do ator amador Eddie Czeropski para conseguir um papel no teatro, enquanto tenta sobreviver fazendo bicos em subempregos, dos quais eventualmente é demitido. Incentivado por um amigo garçom, ele vai assistir a filmagem de um filme pornô e termina substituindo o ator principal que não consegue deixar o membro ereto. Em pouco tempo, Eddie vira sensação no meio e passa a ser assediado por diretores e produtores inescrupulosos. A decadência é inevitável e, após uma desilusão amorosa, ele tenta redirecionar a sua carreira como ator de Soap Operas televisivas, deixando para trás a carreira de mero brinquedo sexual.
O filme é uma crítica direta ao próprio sistema que o produziu, pois retrata a indústria pornô como um meio infestado de pessoas mal intencionadas e produtores desumanos, que visam o lucro a todo custo e tratam os atores com desdém. A obra ficou famosa não pelos seus méritos criativos ou pelas sequências eróticas, mas sim por intercalar várias mensagens subliminares durante a projeção. São pequenos inserts de 1 a 2 frames por segundo com frases como SEX, KILL, EAT e LAUGH, imperceptíveis ao olhar humano, mas capazes de influenciar o subconsciente de quem assiste. Até hoje não se tem notícia de espectadores que saíram transando loucamente e/ou matando por aí após ver a fita, mas esse instrumento duvidoso já foi realmente usado por muitas outras produções como importante ferramenta de marketing. Portanto, não estranhe se depois de assistir a um inocente desenho da Disney, você sentir um desejo incontrolável de adquirir os bonecos dos personagens ou visitar a Disneylândia.
Vale destacar os ótimos desempenhos de Jerry Butler como Eddie Czeropski e de Lissa De Leeuw como a diretora sacana e inescrupulosa. Jerry é loiro, de estatura mediana e pouco dotado para o pornô, mas convencia pelo talento e vitalidade nas cenas eróticas (em alguns momentos lembra muito Robert Downey Jr.). De Leeuw era uma ruiva gordinha e detentora de enormes seios. Infelizmente, ela foi uma das primeiras atrizes pornôs a falecer em decorrência da AIDS.

sexta-feira, julho 13, 2007

O OLHO QUE TUDO VÊ

COMING APART
Idem. EUA, 1969. De: Milton Moses Ginsberg. Com: Rip Torn, Sally Kirkland, Viveca Lindfords. A/DR. Comentário:
Fita de vanguarda com estrutura experimental bastante original. Psiquiatra nova-iorquino oculta uma câmera super 8 na sala de seu apartamento. A câmera é estrategicamente colocada defronte a um sofá, adornado por um grande espelho capaz de refletir todo o ambiente ao redor. O objetivo inicial é filmar as suas consultas diárias, mas ele toma gosto pela nova brincadeira e passa a registrar fatos banais do seu cotidiano como as constantes brigas com a ex-esposa, a relação conturbada com a amante maníaco-depressiva e uma orgia em companhia de amigos.
Assim como voyeurs de primeira viagem, assistimos a todo o filme pelas lentes imóveis da câmera do psiquiatra num exercíco curioso de metalinguagem. Vemos o mesmo que ele vê, como cúmplices impassíveis de seres humanos frágeis que desnudam as suas angústias diante de nossos olhos. Apesar da imobilidade proprocionada pelo plano fixo, os personagens comandam a ação e movimentam-se sem saber que são registrados. Só ficamos angustiados quando eles somem do foco e temos que adivinnhar o decorrer da ação (caso da seqüência final, onde um tiro é dado e ficamos sem saber se alguém foi atingido), num exercício de imaginação só proporcionado pela literatura.
Filme de estréia de Ginsberg, que depois faria mais um único longa-metragem (o terror B “O Lobisomem de Washington” de 1973) e ganharia prestígio como editor de filmes de terceiros. Por conter algumas ousadias como a nudez frontal de um travesti, “Coming Apart” quase não foi visto em sua estréia já que recebeu a temida classificação X do MPPA (órgão responsável pela censura nos EUA), destinada aos filmes pornográficos e ficou poucos dias em cartaz. Descoberto pelos franceses, foi relançado em 2004 pela Gémini Films e virou cult. Mais do que merecido.
Além da competência interpretativa habitual de Rip Torn como o psiquiatra, quem rouba o filme é uma jovem (e constantemente nua) Sally Kirkland, excelente no difícil papel da amante tresloucada e bipolar, que vai da alegria contagiante até a mais profunda depressão em questão de segundos. Um desempenho magistral que foi obscurecido pela péssima distribuição do filme, fazendo com que a carreira de Kirkland desvalace para pequenas pontas durante todos os anos setenta, só sendo reerguida em 87 com o filme “Anna” que lhe proporcionou o Globo de Ouro de melhor atriz dramática e uma indicação ao Oscar. Coisas do cinema.........

domingo, julho 01, 2007

O PEQUENO CÉU

O PEQUENO CÉU
El Cielito. Argentina, 2004. De: Maria Victoria Menis. Com: Leonardo Ramirez, Mônica Lairana, Dario Levy, Rodrigo Silva. L/DR. 93 min. Comentário:
Que filme, que filme! Daquelas obras que assitimos ao acaso, sem referências ou expectativa alguma e que nos arrebata de maneira irreversível. Mais uma prova cabal do grau de excelência dos novos realizadores argentinos. Com um estilo minimalista, de pouquíssimos diálogos e muita sensibilidade, a diretora compensa habilmente os parcos recursos que tem com o ótimo elenco e as belas paisagens naturais. Ela narra a singela história de Félix, jovem andarilho de vinte e poucos anos, de quem não sabemos o passado e cujo futuro é incerto. Ao pular de um trem em movimento, onde viajava clandestino, vai parar numa estação perdida no interior da Argentina. Sem dinheiro e rumo incerto, o rapaz puxa conversa com Roberto, homem marcado pelo tempo e vestido de maneira desleixada, com o objetivo claro de comer os restos de comida deixados pelo homem sobre o balcão do bar.
No segundo encontro dos dois, Roberto convida o andarilho para laborar em sua pequena propriedade rural, ajudando na colheita de frutas silvestres, plantadas e comercializadas de forma improvisada em bancas de madeira colocadas estrategicamente à beira da estrada. Félix prontamente aceita a oferta e vai viver com o agricultor e sua pequena família, formada pela sofrida e submissa esposa Mercedes e o gracioso Chango, filho do casal de poucos meses de vida. A empatia entre Félix e o bebê é instantânea e o rapaz de olhos tristes passa a ter os dias preenchidos pelo sorriso doce e farto daquele pequeno ser. Mas nem tudo são flores, e o ambiente de paz começa a ficar tenso com a forma violenta e gratuita com que Roberto trata a mulher, imprimindo um rol quase que diário de tapas, chutes e palavras de baixo calão, potencializadas pelo vício alcoólico do homem.
Certo dia, Mercedes some. Suicídio ou fuga? O roteiro não explicita, mas deixa pistas sobre o destino da mulher ao mostrar as suas vestes desarrumadas no guarda-roupa, assim como a mala intacta sob a cama. Apreensivo sobre o futuro de Chango e certo que Mercedes não irá mais voltar, Félix rouba algum dinheiro e parte com o menino para Buenos Aires, deixando para trás Roberto incosciente e totalmente consumido pelo vício da bebida. No trem, Félix observa as imagens do povo pobre e sofrido que vive no interior e que guarda muitas semelhanças com a nossa brava gente brasileira. Nesse momento, ele recorda da sua infância feliz ao lado de uma mulher idosa, que poderia ser sua mãe e/ou avó (isso nunca fica claro). Ao fundo, pontuando esse momento de pura emoção, ouvimos a bela música “El Jangadeiro” na voz da cantora Liliana Herrera, uma espécie de Elis Regina local.
Ao chegar a capital, Félix prontamente se hospeda num hotel barato e vive dias de intensa harmonia ao lado de Chango. Mas o dinheiro acaba e os dois são despejados. Sem perspectivas, vão parar na rua como indigentes, sobrevivendo de esmolas e dormindo ao léu, esquivando-se das rondas policiais e dos olhares gananciosos dos marginais de plantão. Desesperado, Félix é cooptado por um deliqüente de rua que vive de pequenos golpes e aceita participar de um roubo, em troca de guarita e comida. Pela primeira vez em dias, ele deixa Chango sob os cuidados de outra pessoa, a irmã do deliqüente, e despede-se do menino prometendo voltar. Mas a sua promessa não se concretiza e o rapaz termina prostrado ao chão, abatido por uma bala. Ao olhar para o céu, percebe-se no canto da sua boca o esboço de um pequeno sorriso, pois em meio as estrelas ele consegue ver refletido o rosto da mulher que o criou e a figura terna do pequeno Chango. Tocante.
A trajetória pontuada pela angústia e repressão social enfrentada pelo personagem Félix na segunda metade do filme, nos remete muito a via crucis inexorável do pai deseperado no clássico do neorrealismo italiano “Ladrões de Bicicleta”. A própria “naturalidade” do elenco amador e das locações fazem de “Pequeno Céu” um exemplar moderno do cinema italiano realizado no pós-guerra, com pouco dinheiro e forte apelo crítico-social. Sinal inequívoco de que beber na fonte do passado não gera somente obras anacrônicas, mas sim fitas realistas, que driblam a falta de recursos com criatividade e, sobretudo, sensibilidade. O filme recebeu vários prêmios no Festival de San Sebástian e no Festival de Havana. Trata-se do terceiro longa-metragem da diretora Maria Victoria Menis, que estreou em 89 e divide o seu tempo também escrevendo e dirigindo para a TV.