sexta-feira, março 24, 2006

A VINGANÇA DA MULHER MAL AMADA

A VINGANÇA DE ALEXANDRA
Alexandra´s Project. Austrália, 2003. De: Rolf de Heer. Com: Gary Sweet, Helen Buday, Bogdan Koca. A/DR. 103 min
Comentário:
A câmera adentra as ruas de um pacato bairro de classe média australiano. Ao final do percurso, estamos dentro da casa de Alexandra, mais precisamente no quarto desta que, silenciosa, contempla o marido dormindo. Os seus olhos são de tristeza e a sua angústia velada anuncia que algo estranho está prestes a acontecer. De repente, o silêncio é quebrado pelos dois filhos do casal que trazem presentes e enchem de afagos o pai, aniversariante do dia. Steve está casado há mais de dez anos com Alexandra, é um quarentão ainda atlético, que gosta de se exercitar todas as manhãs, e um executivo de sucesso que coleciona promoções. Ao se despedir para cumprir mais um dia de trabalho, ele mal suspeita que quando voltar nada será como antes.
De posse de um roteiro instigante, o diretor Rolf de Heer desenvolveu um filme simples e rápido, quase todo centrado num único cenário, a casa recheada de aparatos de segurança. Contando com a poderosa e corajosa (face o grau de exposição física e psicológica) interpretação da dupla de atores centrais (ambos premiados na Austrália), a trama retrata as conseqüências drásticas de uma relação matrimonial fracassada, onde o ódio de uma mulher mal amada e tratada durante anos como mero objeto sexual pelo macho provedor é capaz de desencadear uma insana represália. O problema é que essa vingança perpetrada pela personagem título é mais reprovável e cruel do que o comportamento chauvinista do marido. Mais dialogo e menos radicalismo funcionariam melhor, mas como está já desperta a discussão e faz pensar. As feministas vão adorar a figura do homem acuado e sem chances de redenção.

terça-feira, março 21, 2006

SANGUE, MÚSICA (RUIM) E MUITOS ALIENÍGENAS

ATOMIK CIRCUS – LE RETOUR DE JAMES BATAILLE
Idem. França/Alemanha/Grã Bretanha, 2004. Direção: Didier Poiraud, Thierry Poiraud. Elenco: Vanessa Paradis, Jason Flemyng, Benoît Poelvoorde, Jean-Pierre Marielle. 92 min
Comentário:
Num pequeno povoado francês, fundado pelo visionário Bosco (o veterano Jean-Pierre Marielle) para realizar espetáculos circenses e festivais culturais, o jovem alto e bem nascido (assim apresentado pelo roteiro) James Bataille vai trabalhar como dublê de cenas perigosas e termina se envolvendo com a bela Concia (Vanessa Paradis, responsável pelo “clássico” da música pop Vou de Táxi – arrgh!), cantora e filha do dono do lugar. Quando tenta saltar, sob uma moto, uma fileira de barris com pólvora, cai antes do previsto e destrói quase todo o vilarejo. É detido e condenado a 133 anos de prisão.
Passado algum tempo no cárcere, o rapaz decide fugir no mesmo dia em que vários alienígenas estão atacando a comunidade de sua amada. De prisioneiro ele é alçado a condição de herói de ocasião e enfrenta como pode as deformadas figuras espaciais. Uma, inclusive, se aloja no traseiro de um empresário charlatão que tenta transar com a bela Concia.
Após uma trajetória de quatro curtas, os irmãos Poiraud estréiam no mundo do longa metragem com esse verdadeiro samba-do-crioulo-doido. É uma homenagem explícita ao cinema trash dos anos cinquenta, com muitos monstros mal feitos e sangue espirrando a cada minuto. O cachorrinho mecânico é o exemplo máximo dessa precariedade proposital que permeia todo o filme. Não é uma produção Z, mas sim um filme classe A com acabamento bem tosco. Infelizmente, em algum momento o ritmo cai e o final em aberto não contribui nem um pouco. Mas os diretores demonstram talento e num futuro próximo devem surpreender.

sábado, março 18, 2006

AS CONTRADIÇÕES DA ALMA

O MUNDO DE LELAND
The United States of Leland. EUA, 2003. De: Matthew Ryan Hoge. Com: Don Cheadla, Ryan Gosling, Jena Malone, Chris Klein, Kevin Sapecey, Lena Olins, Michelle Williams, Martin Donovan, Ann Magnuson, Kerry Washington, Sherilyn Fenn, Matt Malloy, Michael welch. OP/DR. Visto 12/03 (DVD) 108 min
Comentário:
O maior prazer para um cinéfilo é descobrir pequenas obra-primas em celulóide. E o melhor é quando essa descoberta reside em títulos obscuros e desconhecidos. Nunca tive vontade e nem planejei assistir ao filme O Mundo de Leland, tanto que ele me chegou por acaso,através de um irmão. Lançado direto em DVD, ele sequer foi comentado pelas revistas especializadas e sites de renome. Uma falta grave, pois é daquelas obras que grudam feito chiclete e continua viva na memória dias, meses e até anos depois de termos assistido. É cinema que acrescenta e nunca subtrae.
Trata-se de mais um belo exemplar do que vem sendo produzido pelo cinema independente americano. Bancado pelo ator Spacey e dirigido pelo desconhecido Matthew Ryan Hoge (cuja experiênca anterior se resume a uma comédia pouco vista chamada Self Storage, de 1999), O Mundo de Leland é um filme complexo, mas perfeitamente compreensível. Fala das inquietações e dos temores humanos, da falência das famílias modernas e da ausência de perspectivas por parte dos jovens, outrora rebeldes e hoje seres apáticos, sem rumo e conteúdo algum.
O mundo do jovem Leland Fitzgerald, um adolescente de 16 anos, é sombrio, triste e feito de pequenos contentamentos, como namorar a jovem Becky Pollard, uma garota frágil e há muito mergulhada no mundo das drogas. Filho de um escritor renomado, cujo grande talento é proporcional a arrogância, o garoto foi criado pela mãe e não vê o pai desde os seis anos de idade, quando este os abandonou.
Somos apresentados a trama pela narração em off do protagonista, que tece uma série de questionamentos interessantes e dá a entender que fez algo de errado naquele dia, mas não consegue lembrar o quê. Na verdade, Leland cometou um crime e não nega a autoria do mesmo, mas não sabe discorrer sobre as razões que o levaram ao delito. O mais chocante, é que a vítima é o inofensivo irmão caçula de sua namorada, portador de deficiência mental. Após esse inicio forte e cheio de mistério, o diretor vai confeccionando coerente e lentamente a colcha de retalhos formada por Leland e todos os outros personagens que o circundam. É um carrossel de emoções diversas construído de forma hábil, aonde o uso de idas e vindas narrativas é constante, mas jamais confuso ou capaz de desviar o foco da ação.
Preso, o jovem começa a chamar a atenção pela sua inteligência e conformismo e concorda em relatar a sua vida ao professor da unidade corregional, um escritor frustrado que vê na história o tema ideal para um livro de sucesso. É dele,inclusive, uma frase genial:” ...um indivíduo só se torna escritor quando as pessoas lêem a sua obra...... “. A relação do dois é pautada na confiança mútua e é bastante curioso ver a moral e a ética do professor supostamente “íntegro” ser questionada por um “assassino” confesso, quando o primeiro traí a namorada de muitos anos com uma jovem colega de trabalho pelo simples e instintivo prazer sexual.
Não esperem uma solução óbvia demais, pois as razões para o crime estão no interior do jovem Leland, que carrega dentro de si um universo vasto de emoções contraditórias, sentimentos dúbios e dúvidas recorrentes. Quase sempre impassível, sem demonstrar emoções, ele transita entre o bem e o mal e mata o garoto para exorcisar toda a tristeza que envolve o seu ser e salvar de uma vida limitada e infeliz as pessoas que ama. O final é extremamente comovente e evita qualquer julgamento moral, pois o próprio Leland também é uma vítima gerada e criada no seio de uma sociedade destruída pela violência, destituída de valores éticos e submersa na vala comum da hipocrisia.
Destaque para todo o elenco, formado pelos mais talentosos atores do momento. Gosling confirma todas as expectativas e, aos 23 anos, dá veracidade e conteúdo a um personagem difícil, sete anos mais jovem, e que não emite emoção alguma. Don Cheadle compõe um escritor e professor dedicado, totalmente dividido entre a vontade de ajudar e ao mesmo tempo tirar proveito da história em benefício próprio. Neste ponto ele se iguala ao ausente e ambicioso pai de Leland, que colocou a carreira acima de tudo e é personificado, com a competência habitual, por Spacey. Por fim, temos a gracinha da Jena Malone como a namorada drogada e Martin Donovam, uma figura constante nas obras independentes, como o pai do garoto assassinado. A única exceção é o fraco Chris Klein, totalmente inexpressivo num papel chave. Mas não compromete o excelente resultado final.

terça-feira, março 14, 2006

ESSE OBSCURO OBJETO DE DESEJO

UM PONT ENTRE DEUX RIVES
Idem, França, 1999. De: Gerard Depardieu e Frédéric Auburtin. Com: Carole Bouquet, Gerard Depardieu, Charles Berling, Stanilas Crevillén, Dominique Reymond, Mélanie Laurent. OP/DR. Visto 12/03 (TV 5) 95 min
Comentário:Lembro de Carole Bouquet na sua estréia diante das câmeras em Esse Obscuro Objeto de Desejo (1977), último filme do mestre Luis Buñuel. Vivendo um papel duplo, também interpretado pela espanhola Agela Molina e fruto da mente surreal de Buñuel, a sua gélida e sensual personagem leva à loucura um homem mais velho (Fernando Rey). E diante da beleza pálida de Bouquet, qualquer loucura é justificada. Depois deste começo, foi bond-girl, participou de muitas fitas obscuras e pouco vistas na década de 80 e encontrou o seu espaço dentro do cinema fracês nos anos 90. Casou com a “máquina de fazer filmes” Gerard Depardieu, e este, em agradecimeto por ela agüentar os seus vários quilos a mais, dirigiu este filme nostálgico e sensível. Aos 42 anos, Carole está luminosa como Mina, uma dona de casa em plena década de 60 que vive com o filho adolescente (o bom Crevilée) e o marido desempregado (Depardieu). Diante da falta de perspectivas, ela aceita trabalhar como cozinheira na mansão da família Daboval e tem como único passatempo as alegres tardes de domingo passadas dentro do cineminha local. O marido encontra uma nova função com mestre de obras na construção de uma ponte, numa cidade próxima, e começa a se ausentar, tempo suficiente para que Mina conheça Matthias, o engenheiro da ponte, e inicie uma nova história de amor, com a relutante cumplicidade do filho. Em determinado momento a verdade vem à tona e como estamos diante de um filme francês, a resolução é bastante civilizada e satisfatória, como deveria ser na vida real, mas não o é. Esta é a segunda experiência de Depardieu como diretor, antes havia feito Tartuffo em 84, e ele demonstra ter aprendido bem o novo ofício. O filme é bem conduzido, corretamente fotografado e apresenta uma convicente recostituição dos anos sessenta (a trilha sonora é uma delícia!), mas o maior destaque é mesmo a beleza madura de Bouquet. Ao contrário de outras atrizes quarentonas, cada vez mais deformadas pelo Botox, ela não esconde a sua maturidade e por isso mesmo imprime jovialidade e carisma a um personagem que também consegue conquistar os espectadores, tornando totalmente verossímil a paixão imediata sentida pelo engenheiro. Tudo bem, é meio estranho ver Carole, com seu ar aristocrático, servindo mesa e cortando cebola, mas se até a patricinha milionária Paris Hilton (argh!) tirou leite de vaca e fez faxina no reality show The Simple Life, o filme está mais do que perdoado.

sexta-feira, março 10, 2006

A PATRICINHA LOIRA GANHOU O OSCAR E O CAWBOY GAY FOI ESNOBADO

Não poderia deixar de registrar aqui neste democrático blog, uma das melhores observações feitas sobre a noite do Oscar e , mais especificamente, a ganhadora do prêmio de melhor atriz: a eterna "Ilegalmente Loira" Reese Witherspoon. Esta peróla foi criada pelo cineasta e crítico pernambucano, Kleber Mendonça Filho, e corrobora com a mesma sensação que tive ao ver a loirinha agradecendo a láurea alcançada e deixando para trás a caracterização perfeita de Felicity Huffman, como um transexual, no filme Transamerica.
"........o prêmio "Alçapão 2006" foi para Reese Witherspoon e vê-la vestida de sinhá com jeito de guaxinim nos fez entender que seu melhor papel até hoje, como a adolescente ambiciosa de Eleição (1999), talvez não tenha sido, no final das contas, uma atuação. Witherspoon levou Melhor Atriz por Johnny e June, sobre a vida de Johnny Cash, mais um Oscar do "kit padrão" hollywoodiano........."
Antes de finalizar, não posso deixar de falar do maior mico do evento que foi premiar Crash em detrimento do franco favorito, Brokeback Montain. Mais uma prova irrefutável de que os membros da Academia estão cada vez mais velhos e gagás. Conservadorismo e prepotência diante do óbvio, nos dias de hoje, só gera mais intolerância e reforça a doutrina de criaturas deploráveis como o Sr. George W. Bush. Atual Imperador do Planeta Terra, ele já deixou de cuidar do bem estar do povo americano há muito tempo (os sobreviventes de New Orleans que o digam), papou o Iraque e está, discretamente, direcionando o seu arsenal bélico para o Irã. Até lá, eu espero que não lembre da nossa Floresta Amazônica para compor a sua coleção de conquistas. À ele, o Oscar mais justo de todos, o de Idiota do Ano.

quarta-feira, março 08, 2006

PETER PAN E A SOMBRA DO TERRORISMO

MUNICH
Idem. EUA,2005. De: Steven Spilberg. Com: Eric Bana, Daniel Craig, Ciarán Hinds, Mathieu Kassovitz, Hans Zischler, Mathieu Almaric, Ayelet Zorer, Michael Lonsdale, Geoffrey Rush, Marie-Josée Croze, Gila Almagor, Moritz Bleibtreu, Valerie Bruni Tedeschi, Lynn Cohen, Yvan Attal, Robert John Burke, Yahuda Levi. A/DR. Visto 03/03 . 164 min
Comentário:
Spilberg é Spilberg e ninguém pode lhe tirar o mérito de ser um dos mais influentes diretores das últimas décadas. Subverteu o gênero do suspense, tornando carros e animais marinhos aterrorizantes (Encurralado e Tubarão); deu um nono e poderoso impulso aos filmes de aventura (Indiana Jones); ensinou que os extraterrestres também podem ser camaradas (E.T. e Contatos Imediatos do Terceiro Grau); e mostrou sem retoques os horrores vividos pelo seu povo durante a segunda guerra (A Lista de Schindler). Taxado de eterna criança e Peter Pan da indústria cinematográfica, face aos recorrentes temas infantis e a constante mania de instituir em suas obras improváveis finais felizes, num mundo onde a falta de caráter e o ódio racial imperam. Seus personagens sempre têm um surto de bom mocismo e eventualmente atingem a redenção. Exemplo crasso é o personagem Arthur Schindler, que tem um deslavado surto emocional na última cena do filme que deu o Oscar ao diretor e comprovou que ele também poderia desenvolver temáticas adultas, apesar da derrapada final com o objetivo de verter lágrimas nas platéias mundiais e glorificar um personagem que, apesar do apoio aos judeus, era antes de tudo um comerciante e não a “mamãe Dolores” apregoada pelo diretor. Mas críticas a parte, após sucessivas derrapadas (O Terminal, Guerra dos Mundos), ele retorna ao mundo dos adultos e aborda o espinhoso conflito entre árabes e judeus. Adaptando o romance Vengeance: The True Story of an Israeli Counter-Terrorist Team, de George Jonas, ele retrata com virtuosismo técnico e violência explícita o sangrento seqüestro perpetrado por terroristas do grupo Setembro Negro contra atletas israelenses, durante as Olimpíadas de Munich em 1972, e as suas inevitáveis conseqüências políticas. Acuada por não ter negociado com os terroristas, a Primeira Ministra de Israel, Golda Meir, deixa a diplomacia de lado e vê como única alternativa pagar na mesma moeda a chacina que eliminou nove atletas e manchou de sangue a bandeira de Israel. Para cumprir a tarefa, convoca a temida Mossad, polícia secreta israelense, para planejar e executar o plano de vingança. O jovem Avner, ex-guarda-costas da Ministra, é designado como líder da equipe formada por mais quatro membros, todos com passado desconhecido e unidos em torno de um único objetivo: localizar e matar, um a um, os 11 terroristas árabes envolvidos no atentado de Munich. Vivendo como clandestinos e contando com as informações do francês Louis, uma fonte duvidosa, que na verdade trabalha para os dois lados e coloca em risco a vida dos agentes. Trabalhando com um elenco internacional, predominantemente formado por australianos e ingleses e sem nenhum americano (fato raro na obra de Spilberg), o diretor traça passo a passo o planejamento e a execução dos assassinatos, intercalando cenas do seqüestro em Munich e destacando o crescente conflito ético vivido pelo personagem de Avner. Ao mesmo tempo em que executa friamente os seus alvos humanos, acompanha o nascimento da filha e é privado do convívio familiar. Aos poucos , ele vai perdendo a sua identidade e o foca da missão, virando um mero e frio assassino sem pátria e objetivos de vida. Sem tomar partido, a mensagem de Spilberg é clara: um conflito que de início tinha como foco a disputa territorial, transformou-se num banho de sangue desmedido, onde a vida humana perdeu o seu valor e o ódio racial tomou o espaço ocupado pela ideologia política e o amor pátrio. Desde já, um dos melhores filmes do diretor, com fotografia de Janusz Kamisnski, roteiro de Tony Kuschner e Eric Roth e música de John Williams que pontua com maestria os momentos de tensão. Foi indicado para cinco Oscars e não ganhou nenhum.

sexta-feira, março 03, 2006

UMA PAUSA PARA O OSCAR

Faltam dois dias para o tapete vermelho ser estendido e receber diretores, produtores, estrelinhas de ocasião, astros em ascensão e muito glamour. Neste momento a Internet está infestada por pseudos-críticos e alguns bogueiros metidos a besta dando palpites infundados a cada minuto. Diante de tanto amadorismo, nada melhor para o momento do que reproduzir uma matéria séria e bastante informativa de Arthur Spiegelman, jornalista da respeita Agência Reuters de Notícas. Ele está em Los Angeles e vivencia todo o clima pré-cerimônia, ao contrário dos palpiteiros locais.

Por Arthur Spiegelman

LOS ANGELES (Reuters) - O Oscar deste ano será gay ou violento? O que parecia uma corrida fácil para uma dupla de cowboys homossexuais pode se transformar numa disputa acirrada. O favorito "O Segredo de Brokeback Mountain" parece estar enfrentando uma ameaça de última hora com o drama racial "Crash -- No Limite" na luta pelo prêmio de melhor filme, sugerem entrevistas com membros da Academia e especialistas em Oscar.
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood mantém o resultado da votação em segredo completo até o momento da verdade: a cerimônia deste domingo, que será vista por centenas de milhares de pessoas em todo o mundo e apresentada pela primeira vez pelo comediante de língua afiada Jon Stewart.
Todo o segredo não evitou especulações sobre uma virada depois de meses de previsões de que o prêmio mais importante da indústria cinematográfica iria, pela primeira vez, para uma história de amor gay, "O Segredo de Brokeback Mountain". O filme recebeu oito indicações, mais do que qualquer outro este ano, e tornou-se um fenômeno social como objeto de discussão, piadas e paródias.
A revista People publicou um encarte especial sobre o Oscar esta semana, no qual a manchete, em cor-de-rosa choque, declarava: "Oscar: Sim, sou Gay". O título estava sobreposto a uma fotografia da estatueta de ouro e a pôsteres de "Brokeback" e de dois outros filmes, "Capote" e "Transamerica".
"Oito indicações para o filme cowboy gay, duas para a fita transexual, cinco para a história de Truman Capote. À primeira vista, a lição da premiação da Academia este ano é simples. O atalho para a glória do Oscar é uma palavra com três letras: g-a-y", explicava a People.
"Ouvi mais pessoas falando em votar em 'Crash' do que em 'Brokeback', mas lembro quando todos os membros da Academia com quem havia conversado em 2002 disseram que tinham votado em 'Moulin Rouge -- Amor em Vermelho', e o favorito daquele ano, "Uma Mente Brilhante", ganhou. É muito difícil desbancar um favorito", afirmou o especialista em Oscar Tom O'Neil.
O dramaturgo e ativista pelos direitos dos gays Tony Kushner, autor de "Anjos na América", que concorre a um Oscar como co-roteirista de "Munique", diz que algumas pessoas estão "assustadas com 'Brokeback' porque se trata de um filme gay".
FILME AUDACIOSO
Mas ele acrescentou: "Às vezes você faz algo corajoso e destemido e assume o risco. Toda Hollywood está se sentindo assim com relação a 'Brokeback'. O filme vai se sair muito bem na disputa. É um filme lindo e, graças à corrida pelo Oscar, alguns milhões de pessoas a mais vão assisti-lo e mudar suas opiniões".
Os cinco indicados para melhor filme, que ainda incluem "Munique", "Capote" e o drama da era McCarthy "Boa Noite e Boa Sorte", é um grupo sério -- filmes com temas que refletem o debatido liberalismo de Hollywood. Como grupo, eles não se saíram muito bem nas bilheterias.
Por exemplo, "O Segredo de Brokeback Mountain" arrecadou 75 milhões de dólares após 12 semanas em cartaz, cerca de 2 milhões de dólares a menos que "Guerra dos Mundos" em quatro dias em exibição, em julho passado.
"Crash -- No Limite" se passa em Los Angeles e pode atrair a atenção dos eleitores do Oscar, já que muitos vivem na cidade e podem simpatizar com o tema do filme, raças que não se misturam até colidirem uma com a outra em seus carros. O filme recebeu seis indicações ao Oscar, mesmo número de "Boa Noite e Boa Sorte" de George Clooney.
Alguns especialistas dizem que a única aposta certa de vitória numa categoria importante é a de melhor ator, para Philip Seymour Hoffman. Hoffman faz o papel de Truman Capote em "Capote". Em sua interpretação, o escritor norte-americano é um bom vivant manipulador e ambicioso que ganha a confiança de um assassino confesso, e então deixa o homem e seu parceiro morrerem a fim de obter um final para seu livro, "A Sangue Frio".
Mas, mesmo nesta categoria, a competição é acirrada. Hoffman deve derrotar Terrence Howard de "Ritmo de um Sonho", Heath Ledger lutando contra seus próprios sentimentos como um dos cowboys de "Brokeback", Joaquin Phoenix como o cantor Johnny Cash em "Johnny e June" e David Strathairn como o jornalista Edward R. Murrow em "Boa Noite".
A corrida pelo Oscar de melhor atriz ainda está muito embolada entre as favoritas Reese Witherspoon, no papel da cantora June Carter em "Johnny e June", e Felicity Huffman, interpretando um homem que está prestes a se submeter a uma operação de mudança de sexo em "Transamerica".
Mas é difícil prever o vencedor até mesmo em categorias que não são consideradas as principais, como a de melhor filme estrangeiro. Três dos cinco filmes indicados -- o palestino "Paradise Now," o sul-africano "Tsotsi" e o alemão "Uma Mulher contra Hitler" -- têm chances na disputa.
Então prepare-se, pegue o saco de pipocas e espere para ver quem vai ganhar no domingo. O Oscar pode ou não ser gay neste ano, mas com certeza ele será cheio de surpresas.

quarta-feira, março 01, 2006

DIVINA LOUCURA

PINK FLAMINGOS
Idem. EUA, 1972. De: John Waters. Com: Divine, David Lochary, Mink Stole, Mary Vivian Pearce, Danny Mills, Edith Massey, Cookie Mueller. A/C. Visto 28/02 (Cinemax) 108 min
Comentário
Divine recebe o título de “A Pessoa Mais Obscena do Mundo” e desperta a inveja do casal Raymond e Connie Marble. Eles são tarados, ladrões e se acham merecedores da alcunha concedida ao obeso travesti, pois levaram anos construindo um rentável império formado por lojas pornôs e por um negócio dos mais politicamente incorretos, que consiste em seqüestrar jovens mulheres, engravida-las a força e vender os bebês para casais de lésbicas (!). Obstinados, descobrem o paradeiro da rival, que usa o nome verdadeiro de Babs Johnson e vive num trailer em companhia da mãe, viciada em ovo e que passa os dias dentro de um cercadinho, do filho tarado e da amiga voyeur. Depois de algumas reviravoltas, o confronto entre o casal e a heroína é inevitável e repleto das mais absurdas seqüências. Clássico absoluto do mau gosto e da liberdade vivenciada pelos precursores do cinema americano independente no final dos anos 60 e início dos 70, este Pink Flamingos é o terceiro longa de John Waters, rodado em 16 mm, tendo como cenário Baltimore, a sua terra natal, e como estrela Divine, ou melhor Harris Glenn Milstead (morto em 88, vítima de um ataque cardíaco). De lá para cá, o mundo mudou e a América involuiu, corroborada pela chegada ao poder dos conservadores republicanos e das suas noções tortas de ética, justiça e moral exacerbada. O máximo de ousadia hoje nos Estados Unidos é a visão cândida de um seio fujão da cantora Janet Jackson durante um evento esportivo, suficiente para virar escândalo internacional e trazer a tona a crescente ausência de liberdade de expressão vivida pelos americanos da era Bush. Até o outrora ousado Waters, tirou o time de campo e só produz comediazinhas insossas e convencionais. Melhor ficar com as duas cenas clássicas da sua fase áurea, que fariam o titio Bush corar: o repugnante close de um ânus prestes a defecar e a insana “mamãe” Divine realizando um espontâneo e explícito fellation para acalmar a ansiedade do seu filhinho. Mais transgressor, impossível!. Essa é uma versão restaurada pela New Line em virtude da comemoração de 25 anos do filme, e traz ao final comentários do diretor, sempre elegante de terno, gravata borboleta e o indefectível e bem aparado bigodinho.