quarta-feira, março 05, 2014

O OSCAR EM TEMPOS DE "SELFIE"

O indefectível tapete vermelho com o desfile interminável de celebridades ostentando vestidos e joias emprestadas numa milionária ação de merchandising orquestrada pelas grifes de luxo marcou o início da cobertura do mais popular prêmio de cinema do mundo: o Oscar. A profusão de cores, brilhos e amenidades só foi ofuscada quando a atriz Jennifer Lawrence resolveu confirmar a fama de desastrada e tombou em plena passarela para o deleite dos fotógrafos presentes, rememorando a cena protagonizada por ela mesma ao subir as escadas para receber o prêmio de melhor atriz no Oscar do ano passado. O tombo não passou incólume e virou alvo de piada da apresentadora Ellen De Generes durante a cerimônia deste ano.
Ellen comandou a premiação com piadas leves e um carisma impar ao lidar com o público, lapidado nos últimos anos graças ao programa de entrevistas que comanda na TV americana e que ganhou força com a aposentadoria de Oprah Winfrey do ramo. A naturalidade da comediante foi tanta que muitos nem perceberam a inédita inserção comercial feita por ela em dois momentos distintos. Primeiro tentou improvisar a realização de um “selfie” - o famigerado auto retrato tirado pelo celular - com as estrelas presentes e conseguiu dois feitos: tornou a foto a imagem mais replicada da história do twitter (até o momento já ultrapassou a marca de 2,5 milhões de retuites) e divulgou, despretensiosamente, o novo smartphone da Samsung (os fofoqueiros de plantão garantem que ela usava um I Phone nos bastidores do evento). Num segundo momento, alegando estar preocupada com os convidados famintos, bancou a boa samaritana e adentrou ao palco ao lado de um entregador de pizza portando várias caixas da deliciosa iguaria. Caixas essas com a logomarca da empresa e patrocinadas por aquele famoso refrigerante de rótulo vermelho que é um dos patrocinadores oficiais do evento. Preciso dizer mais alguma coisa?!
A cerimônia em si foi bastante dinâmica e fluiu bem durante as longas três horas de duração. Os números musicais das canções concorrentes foram distribuídos entres vários blocos e deram ritmo ao show. Pharrell Williams fez todos dançarem com a música “Happy” e destacou na plateia aquela que viria a ser a estrela da noite, Lupita Nyong’o. Karen O trouxe o intimismo de “Her” para o palco com uma inspiradora imagem da lua ao fundo. O U2 mostrou por que se mantém a tanto tempo na estrada. Enquanto Idina Menzel colocou o seu vozeirão a serviço da canção vencedora “Let Go” do desenho Frozen. As outras canções ficaram a cargo de Bette Midler que apresentou o seu hit “Wind Beneath My Wings” em homenagem a todos os astros falecidos no último ano. Dentre eles o nosso Eduardo Coutinho que teve a sua imagem projetada no palco do Kodak Theater ao lado de nomes como os de Phillip Seymour Hoffman, James Gandolfini e Shirley Temple. Coutinho era membro da academia e um dos mais respeitados documentaristas do mundo, apesar da abrangência limitada de sua obra. Também tivemos no palco a cantora pop Pinky entoando “Somewhere Over The Rainbow” em homenagem ao Mágico de Oz com direito a presença vip na plateia dos filhos de Judy Garland: Liza Minelli (inchada), Lorna e Joey Luft.
A premiação não apresentou surpresas e todos os vencedores já haviam sido agraciados pelos respectivos sindicatos de classe, o que não gerou dificuldade alguma aos experts de plantão que ganham a vida fazendo previsões a todo instante nos blogs, sites e revistas especializadas mundo afora. Cate Blanchet não foi arranhada pela campanha difamatória movida contra Woody Allen pela ex-mulher Mia Farrow e o filho de ambos Ronan (que é a cara de Frank Sinatra!) e confirmou o seu favoritismo ao ganhar o prêmio de melhor atriz. Jared Leto (Clube de Compras Dallas) foi o melhor coadjuvante e proferiu o discurso mais politizado da noite ao dar apoio incondicional aos insurgentes da Ucrânia e da Venezuela.
O melhor ator foi Matthew McConaughey, comprovando que o esforço dos últimos anos para abandonar as comédias românticas dos grandes estúdios e mergulhar de cabeça nos papéis sérios proporcionados pelos filmes de baixo orçamento não foi em vão. O melhor roteiro originaL foi para Spike Jonze e o Seu delicado “Her”, enquanto que o adaptado ficou com “12 Anos de Escravidão”. Este último ainda abocanhou o merecido  prêmio de melhor filme do ano e consagrou uma jovem nascida no México e criada  na Africa que atende pelo nome de Lupita em homenagem a Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira do seu país natal. Lupita Nyang’o foi a grande estrela da noite e ao subir ao palco para receber o prêmio de melhor atriz coadjuvante foi aplaudida de pé e proferiu o discurso mais emocional da noite. Linda, jovem, bem articulada e alçada a categoria de novo ícone fashion devido a maneira elegante e despojada com a qual se veste. “Gravidade” recebeu todos os prêmios técnicos e o seu diretor Afonso Cuáron foi o melhor diretor do ano e o primeiro latino americano a receber a honraria. “Frozen” foi a melhor animação e “O Grande Gatsby” recebeu os prêmios de figurino e design de produção. Ambos merecidos, sem dúvida. O sublime “A Grande Beleza” foi o melhor filme estrangeiro.
O grande perdedor da noite foi “Trapaça” que tinha 10 indicações e não levou nada. Ponto para a Academia que não caiu no engodo que é esta obra. O filme é uma comédia muita boa, mas o que vemos nele já foi mostrado por Martim Scorsese há mais de vinte anos. O tema da corrupção, os movimento circulares e ousados de câmera e o uso de uma trilha setentista de qualidade pontuando vários momentos da narrativa foram emulados do método de filmar de Scorsese. Num ano onde o grande mestre voltou a velha forma com o excelente “O Lobo de Wall Street”, premiar uma cópia das suas obras realizada pelo supervalorizada David O. Russel seria uma blasfêmia. Como isto não ocorreu, todos foram absolvidos.
Em termos gerais, os resultados satisfatórios deste ano são um reflexo direto da nova gestão da academia que ficou a cargo de uma mulher. Cheryl Boone Isaacs apresentou durante o seu discurso qual o futuro da Academia e demonstrou frescor aliado a coerência ao tratar da indústria cinematográfica. A própria seleção dos filmes indicados este ano foi um exemplo desta nova visão, já que as campanhas milionárias de marketing dos grandes estúdios não surtiram o efeito esperado. Tanto que Tom Hanks ficou de fora da categoria de melhor ator, apesar do seu filme “Capitão Phillips” ter sido prestigiado, e a milionária Oprah e o longa  “O Mordomo da Casa Branca” ficaram no vácuo.

Com a entrega do Oscar podemos, finalmente, anunciar que o ano cinematográfico de 2014 teve início!