quarta-feira, junho 20, 2007

PURPURINA PURA....

20 CENTÍMETROS
20 Centimetri. Esp., 2005. De: Ramón Salazar. Com: Mônica Cervera, Pablo Puyol, Miguel O´Dogherty, Concha Galán, Lola Dueñas, Juan Sanz, Najwa Ninri, Rossy De Palma, Pilar Bardem. A/M.112 min. Comentário:
Só mesmo um conterrâneo de Pedro Almodóvar para conceber este delírio musical homo-erótico, impregnado de luzes, cores, muito humor e uma pitada de drama. Em seu segundo longa, o jovem Ramon Salazar demonstra fôlego de veterano ao narrar com extrema competência técnica e apurado estilo visual a história cheia de sonhos e desilusões de Marieta, jovem travesti madrilenho que deseja acabar de uma vez por todas com a incômoda herança familiar: um membro fálico de 20 centímetros! O que seria motivo de orgulho para muitos homens e objeto de disputa entre as mulheres, transforma-se num pesadelo diário para um homem com alma feminina, que sobrevive vendendo o próprio corpo nas ruas de Madri e sofre com as crises constantes de narcolepsia, distúrbio que lhe promove o sono profundo e o deixa dormindo nas horas mais inusitadas. Invariavelmente, Marieta é encontrada desfalecida e abandonada nas sarjetas, com as roupas rasgadas e sem saber muito bem o que aconteceu. Só lhe cabe recolher o pouco de dignidade que ainda resta e voltar para o pequeno apartamento de subúrbio que compartilha com Tomás, anão e melhor amigo que vive envolvido em pequenos golpes e que sonha torna-se músico. Ao redor dos dois, uma fauna urbana repleta de tipos esquisitos, onde se destacam a vizinha gorda e mãe de um garoto mulato, e o másculo repositor de verduras da feira livre que passa a freqüentar os sonhos eróticos do travesti, mas logo o decepciona ao demonstra ser passivo durante o sexo.
O ponto alto do longa, são os caprichados números musicais encenados durante os surtos inesperados de sono da protagonista, onde a fantasia corre solta e ela vê-se como uma glamurosa estrela hollywoodiana em meio a cenários inusitados e coloridos, onde amigos e clientes viram personagens da ação, dançando e cantando como profissionais. Fazendo uso do mesmo recurso consagrado pelo australiano Bazz Luhman no genial “Moulin Rouge”, o diretor usa e abusa de canções pops consagradas nas vozes de Madonna, Freddie Mercury e outros para emoldurar as coreografias, gerando empatia imediata e transformando-as em números dignos da Broadway .Outro grande achado é a interpretação agridoce da notável Mônica Cervera, estrela dos primeiros trabalhos do diretor (o curta “Hongos” e o longa “Piedras”). Detentora de uma figura esguia e estranha que lembra muito a musa almodovariana Rossy De Palma, homenageada aqui numa pequena ponta como uma colega de rua de Marieta. Também merece destaque a corajosa composição do galã Pablo Puyol, como o amante passivo de Marieta, viciado em sexo anal. Uma fita despojada, colorida e extremamente bem conduzida. Infelizmente, os mais puritanos ficarão chocados com algumas liberdades e ousadias, mas são detalhes necessários ao tema e só tornam o resultado final mais divertido e saboroso

sábado, junho 16, 2007

TAXIDERMIA

Três histórias, três épocas e três gerações. Avó, pai e filho tendo como cenário a ascensão e queda do comunismo na Hungria. O primeiro trabalha como capataz na fazenda de um militar em pleno inverno e tenta sublimar os seus desejos carnais, mergulhando num mundo de fantasias, onde a realidade funde-se com a ilusão e o resultado é imprevisível. O segundo é fruto do adultério da mulher do patrão com o capataz e desde bebê chama a atenção por ter nascido com uma deformidade genética que provocou uma protuberância ao final da coluna, que faz lembrar um rabo suíno. Comilão desde criança, torna-se campeão num esporte mórbido onde os competidores (todos obesos) comem até vomitar (!). O terceiro é taxidermista e tenta dividir-se entre o trabalho extenuante que consiste em preservar as características físicas de animais mortos através de metódos científicos e os cuidados com o pai, que ficou imóvel e grotesco devido ao excesso de peso.
Através dos três personagens, acompanhamos flashes da história da própria Hungria, já que o longa começa na Primeira Guerra Mundial, adentra os anos de chumbo do regime comunista e chega aos dias atuais sem fazer concessões de nenhuma ordem. Caprichando na estética visual e no realismo gráfico de algumas cenas, capazes de revirar o estômago e colocar para correr os espectadores mais sensíveis, o diretor Pálfi propõe um jogo fascinante que coloca em cena temas complexos e vitais aos seres humanos como o sexo, a comida e a morte. Por estar dividido estruturalmente entre esses três ciclos, “Taxidermia” foi comparado por alguns críticos ao filme “Saló” do mestre Píer Paolo Pasolini. Comparação essa totalmente inócua, já que o segundo é uma das mais duras e cruéis críticas ao nazismo já feitas e considerado o filme mais transgressor de todos os tempos, tendo sido banido em vários países à época de seu lançamento.
O roteiro, escrito pelo próprio diretor em parceria com a esposa Ruttkay, é baseado nos trabalhos do escritor húngaro Parti Nagy Lajos e impregnado de uma fina ironia, presente até nos momento mais mórbidos e olha que não são poucos. Durante toda a trama somos desafiados por cenas desconcertantes e ao mesmo tempo necessárias ao contexto tratado. Logo de início, um pênis ereto e flamejante serve de metáfora ao desejo reprimido; em seguida, o vômito constante dos personagens indicam que os excessos (independente do que sejam) nunca trazem felicidade e causam dependência; e, por último, o volume de sangue e vísceras revelam a fragilidade humana diante da morte.
Um belo e forte tratado em celulóide sobre a vida e a morte, que só peca pela falta de consistência do roteiro ao tentar ligar as três histórias, já que a primeira fica destoante se comparada as outras duas, que apresentam uma seqüência lógica ao manter a figura do pai obeso como ponte narrativa, enquanto que os personagens do primeiro segmento somem totalmente na trama seguinte. Mas o resultado final é realmente instigante e inovador. Uma curiosidade: a trilha sonora é assinada por Amon Tobin, que nasceu no Rio de Janeiro e pratica o trip-hop.
Taxidermia - Der Ausstopfer. Hung./Áustria/França, 2006. De: György Pálfi. Com: Csaba Czene, Gergely Trócsányi, Marc Bischoff, Adél Stanczel, Piroska Molnár. 91 min.

quarta-feira, junho 13, 2007

TAKE OFF

Antes de tudo, quero ressaltar que o objetivo deste blog é falar sobre cinema, independente do gênero, país de origem e duração. Portanto, as obras pornôs de qualidade que incrementaram os sonhos molhados de muita gente (principalmente nos áureos anos 70) também serão bem-vindas. É o caso de TAKE OFF (EUA, 1978), uma feliz adaptação da obra clássica “O Retrato de Dorian Grey” de Oscar Wilde, produzida na época de ouro do pornô americano. Contando com o inteligente roteiro de Daria Price e a competente direção de Armand Weston (que dirigiu apenas oito filmes e é responsável pelo clássico do gênero “A Defiance of God” de 1975), acompanhamos dos anos 30 até o final dos anos 70, as várias aventuras sexuais do playboy Darrin Blue, que misteriosamente permanece jovem, enquanto a sua imagem num antigo filme de 8mm sofre o desgaste do tempo. O seu destino começa a mudar quando um casal descobre o antigo filme e a mulher começa a desconfiar que homem belo e sedutor que conheceu a beira da piscina é mesmo homem do filme.
Eficente reconstituição de época, elenco repleto de beldades que vão desde a veterana Georgina Spelvin (a inesquecível Miss Jones) até a linda Annette Haven, com direito a luxuosa ponta do travesti Holly Woodlawn (estrela do filme TRASH e amiga pessoal de Andy Warhol) como uma cantora de cabaret no segmento relativo aos anos 40. Enfim, um filme pornô de muita classe.
O papel principal é vivido pelo ator Wade Nichols, um caso a parte dentro da indústria pornô. Considerado um dos mais belos atores do gênero, Nichols tinha penetrantes olhos azuis e um típo físico próprio dos nos setenta, com direito a peito cabeludo e um indefectível bigode. Ele começou a carreira no início dos anos setenta em fitas gays e logo passou ao cinema “straight”, ou seja, filmes heterossexuais onde transava com mulheres. Rapidamente alcançou o estrelado no meio e teve o seu grande momento com “Take Off”. Paralelo a carreira cinematografica, ele gravou um LP com o nome de Dennis Parker e estourou nas pistas de dança no final dos nos 70, com hits como “Like an eagle” e “I´m A Dancer”. Esta segunda música fez parte da trilha sonora da novela Marrom Glacê e o ator esteve no Brasil para promovê-la em 1979. Neste mesmo ano, a sua carreira deu uma guinada de 180 graus e ele conseguiu um papel fixo na telessérie de sucesso “The Edge of Night” da poderosa Rede ABC, onde viveu o Chefe de Polícia Derek Mallory de 79 até 84. Infelizmente, o ator morreu no dia 28 de janeiro de 1985. Em algumas publicações, a causa mortis alegada é que uma séria de complicações decorrentes da AIDS ocasionou o óbito, em outras fontes a informação é que o astro teria cometido suicídio ao tomar conhecimento que era portador do vírus. Polêmicas a parte, Wade Nichols permanece imortal nos filmes e nas alegres canções que marcaram a era disco.

UM CINEMA SEM CONCESSÕES

O cinema de Fernado Arrabal não é para ser compreendido, mas sim apreciado. Dramaturgo, amante das artes e discípulo de Salvador Dali, ele consegue transpor para a tela do cinema argumentos absurdos e cenas desconcertantes que prendem a atenção desde o primeiro frame e fazem juz as pinturas consagradas pelo mestre do surrealismo. É arte pura em película.
No seu segundo longa-metragem como diretor J´IRAI COMME UM CHEVAL FOU(1973), ele conseguiu a proeza de ser censurado na liberal França e ter causado polêmica e mal-estar nos poucos países onde foi exibido. A obra acompanha a desconcertante via-crucis vivida do playboy Aden Rey (vivido pelo norte americano George Shannon), que inicia a trama peregrinando sem rumo pelo deserto, como se fugisse de algo. Na verdade, ele matou a própria mãe (afrancesa EmannelleRiva, estrela do clássico Hiroshima Mon Amour), com quem mantinha uma forte relação edipiana. Desamparado e perdido na aridez de uma paisagem morta, ele encontra na solitária figura do pigmeu Marvel, o amor e a afeição da mãe morta, iniciando uma estranha relação homo-erótica, mais insinuada do que explicitada. Totalmente dependendente do pequeno homem, Aden o leva para a cidade grande, onde a pureza do selvagem é engolida pela crueldade das pessoas e pela frieza da metrópole. Perdido, Marvel foge para o seu habitat natural, tendo Aden em seu encalço. O reecontro do dois é inevitável e traz consequências trágicas pois resulta na morte do playboy a pauladas, executada pelo pigmeu que em seguida come a carne do rapaz, numa forte sequência que funciona como metáfora da união eterna daqueles dois seres tão diferentes e ao mesmo tempo tão dependentes, unidos para sempre numa simbiose perfeita de corpo e mente.
Os mais sensíveis ficarão chocados com as imagens fortes jogadas na tela sem concessão alguma. São vísceras expostas, membros eretos, pessoas urinando e defecando, um travesti desnudo com a genitália a mostra e várias outras leviandades, mescladas com cenas impregnadas de beleza e plasticidade cênica. A trama não é contada de forma linear, mas o objetivo é esse mesmo: confundir mais do que explicar e soltar pistas durante toda a projeção sobre acontecimentos passados e futuros, apoiados em metáforas poderosas. Instigante, ousado, obsceno, violento, enfim um coquetel de emoções díspares de difícil, porém saborosa ingestão.