sábado, dezembro 02, 2006

A NOIVA DE LÁZARO

Com poucos recursos, câmera na mão e tendo como força motriz a estupenda atuação de Cláudia Rojas, o diretor Fernando Merinero desenvolveu uma pequena obra-prima impregnada de realismo e sensibilidade. Rodado na ruas de Madri, tendo os transeuntes como figurantes e cenários reais como locação, o filme aborda os percalços vividos pelos imigrantes cubanos em países cosmopolitas e de mesma língua como a Espanha. No caso específico da trama, somos inseridos de imediato no dia-a-dia de incertezas e pequenos golpes do cubano Lázaro, homem simples e cheio de sonhos que gasta o pouco do que tem com drogas para aplacar a dura realidade e a falta de perspectivas na qual está inserido. Num ímpeto de loucura e desespero, ele ataca uma rica espanhola em busca de sexo e dinheiro e é preso em flagrante. Condenado, vai para a cadeia no mesmo dia em que Dolores, a sua noiva, chega a Madri. Perdida, indefesa e sem recursos, a jovem cubana é acolhida por uma desconhecida e inicia uma busca desesperada para obter pistas sobre o paradeiro do amado. Ao localizá-lo, fica chocada com o motivo da prisão, mas é capaz de sublimar a dor e levar cocaína na vagina para alimentar o vício do rapaz. Durante uma visita íntima, Dolores é violentada física e psicologicamente pelo namorado e desiste do intuito de recuperá-lo, iniciando uma solitária e difícil luta pela sobrevivência na selva de concreto espanhola. Depois de pequenos bicos, um romance fortuito com outra mulher e um rosário extenso composto de prostituição, drogas e humilhações, a jovem finalmente encontra a redenção nos braços de Paco, artesão de poucas palavras, com quem vai viver e trabalhar. Mas a vida não é um mar de rosas, e Lázaro sai da prisão com a meta de reencontrar a noiva. Casualmente, os dois se deparam em plena rua madrilenha, enfeitada com luzes e coress devido a uma festa religiosa, e o furor sexual é instantâneo, descambando para uma transa explícita em meio ao breu de uma praça abandonada. Apesar da tentação, Dolores agora é uma mulher vivida e resiste aos apelos eróticos do antigo noivo. Sem maiores dúvidas ou questionamentos, ela retorna para a visa segura ao lado de Paco e reescreve o seu inevitável destino de imigrante ilegal, terminando o filme rodeada pelo amor do marido e de uma filha, fruto dessa relação. Quanto a Lázaro, ele retorna às ruas e a sua rotina de homem largado, solitário e drogado que sobrevive graças a caridade de quem lhe detesta. Ousado, visceral e perturbador, “A Noiva de Lázaro” permanece na memória e deixa marcas indeléveis em que se atreve a assisti-lo.

terça-feira, setembro 12, 2006

VER PARA CRER

Se A DAMA NA ÁGUA de M Night Shyamalan é ou não é um grande filme ainda não sei, pois não assisti. Mas desde já podemos considerá-lo a maior polêmica cinematográfica dos últimos anos, haja vista a quantidade de opiniões e críticas divergentes sobre a obra. Alguns a consideram uma obra-prima moderna, onde a fantasia se sobrepõe a realidade de forma magistral numa espécie de contos de fadas dark. Outros já são mais radicais e acham que essa nova incursão de Shyamalan no mundo da ficção resultou num filme mal feito, mal concebido e arrogante, como o próprio diretor que reservou para si mesmo o papel de um escritor que no desenrolar da trama transforma-se numa espécie de novo messias(!).
Será que essa birra da crítica especializada é uma revolta velada contra o personagem do crítico de cinema antipático e pretensioso da trama, que termina sendo o único personagem devorado por um monstro? Ou será que Shyamalan realmente exagerou na dose e afundou na própria pretensão? Essa resposta só teremos vendo a obra, pois as críticas que tem surgido aos borbotões tanto na Internet quanto nas revistas especializadas não servem como baliza, já que vão da paixão escancarada e incondicional à obra até o ódio mortal contra Shyamalan e sua trupe. Nestes momentos, vale lembrar que A VILA na época de seu lançamento foi altamente questionado e hoje faz parte da lista de grandes filmes de muitos críticos de renome por aí. É ver para crer se estamos diante de uma bomba ou de um clássico.

quinta-feira, julho 27, 2006

MAMÃE " BARRA-PESADA"

MINHA MÃE
Ma Mère. Fran./Port./Aust./Esp., 2004. De: Christophe Honoré. Com; Isabelle Huppert, Louis Garrel, Emma De Caunes, Joana Preiss, Jean-Baptiste Montagut, Dominique Reymond, Olivier Raboudin, Philippe Duclos. A/DR. 110 min.
Sinopse:
Baseado no romance póstumo e controverso de Georges Bataille, o filme tem como protagonista o jovem Pierre, um adolescente de 17 anos, que após a morte do pai é introduzido a um mundo hedonista e repleto de depravações pelas mãos de sua atraente mãe.
Comentário:
Trata-se de uma variação moderna e obscena sobre o complexo de Édipo, com a bela e impassível Huppert fazendo às vezes de uma Jocasta ninfomaníaca, alcoólatra e bissexual. Ela interpreta Claire, uma mulher promíscua e casada com um homem mais velho que incentiva as suas aventuras sexuais com outras pessoas. Quando o marido morre num misterioso e nunca explicado acidente, Claire passa a conviver mais intensamente com o filho Pierre, um adolescente cheio de dúvidas e curiosidades sexuais.
A estranha e dúbia relação entre mãe e filho passa a ser o cerne da trama e é desenvolvido de forma confusa, tendo o paradisíaco balneário das Ilhas Canárias como cenário. A principio os dois trocam farpas e aos poucos vão ficando mais íntimos, ao ponto da mãe introduzir o próprio filho nos seus escapistas jogos eróticos. Na verdade, Claire expõe a sua face mais obscena na tentativa de afastar e obter a rejeição do garoto, pois ela sente que Pierre está cada vez mais carente e apaixonado pela sua sensual figura materna. Infelizmente os meios pouco ortodoxos que ela utiliza não funcionam e a narrativa caminha para um sórdido desfecho.
O roteiro é confuso em muitos aspectos e coloca em cena personagens que surgem do nada e ganham uma surpreendente importância, caso da personagem Hansi (vivida pela atriz Ema de Caunes) que entra em cena depois de quase 50 minutos de duração e passa a ser o principal interesse amoroso do jovem Pierre. O personagem de Huppert sai de cena e retorna para um dos finais mais desconcertantes que já assisti: o corpo sem vida de Claire é observado por um atônito Pierre, que começa a se masturbar em pleno necrotério (!). Hard, muito hard, pena que o filme resulte lento e sem sentido em vários momentos.
É o segundo longa de Honoré, mais conhecido como roteirista. Apesar da competente Huppert, com a sua introspecção e os seus expressivos e tristes olhos, o filme é dominado pelo jovem Garrel (filho do diretor Phillipe Garrel) no papel do complexo Pierre, um ator que detém poucos, mas eficientes, recursos dramáticos e que possui uma beleza exótica, explorada na íntegra durante toda a narrativa. Inédito no Brasil.

OS URSOS TAMBÉM AMAM

CACHORRO
Idem. Esp., 2004. De: Miguel Albaladejo. Com: José Luiz Garcia Perez, Dvid Castillo, Empar Ferrer, Elvira Lindo. A/DR . Comentário:
Alberto é um homem acima do peso, na faixa dos trinta e poucos anos, dentista de profissão e homossexual assumido. Devido aos seus atributos físicos, ele participa de um restrito grupo constituído por homens gordos, barbudos e peludos carinhosamente apelidados, no meio gay, de ursos (bear nos EUA e cachorro na Espanha, daí o título original). A sua tranqüila e pacata vida de solteiro, agitada esporadicamente pelos amigos e os amantes de ocasião, é posta a prova quando a única irmã, uma hippie tresloucada, resolve viajar a Índia com o amante e deixa o seu filho sob os cuidados do irmão. Tio e sobrinho tornam-se cúmplices, com o primeiro sempre preservando o segundo de sua vida atípica. Por obra do destino, a mãe é presa por porte de drogas e o dentista terá que lutar pela guarda do garoto com a avó paterna, inimiga declarada da nora.
Usando humor e uma delicadeza ímpar, o diretor desenvolve de forma satisfatória um tema espinhoso e poucas vezes abordado no cinema: a guarda de crianças por homossexuais. Para quebrar o gelo da audiência mais puritana, o filme já mostra ao que veio logo na seqüência de abertura com dois homens gordos transando graficamente. O que vem a seguir é um drama humano e contemporâneo sobre a nova conjuntura social, onde os homossexuais passaram a ser uma parcela economicamente significava da população mundial, com direitos igualitários e os mesmos desejos e anseios de um cidadão comum, apto a constituir uma família. Tratando do tema da paternidade sem levantar bandeira, já que o protagonista não procura ser pai, ele é simplesmente jogado naquela situação por circunstâncias adversas, o diretor evidencia que amor e respeito são sentimentos universais e independem de raça, credo e sexo. No final das contas, o garotinho que parecia ser o personagem mais frágil da trama, demonstra ser uma fortaleza numa cena crucial do longa. Em suma, trata-se de um belo registro de nossa época.

quinta-feira, julho 20, 2006

DIFÍCIL RECOMEÇO

TURBILHÃO
Cavalcade. França, 2005. De: Steve Suissa. Com: Titoff, Berenice Bejo, Laurent Bateau, Axelle Laffont, Marion Cottilard, Ricahard Bohringer, Estelle Lafebure, Vincent Martinez, Buno Todechini, Maria Jurado. L. OP/R. 90 min. Comentário:
Baseado numa história real, o filme do diretor francês Suissa é extremamente bem intencionado ao tentar retratar a tragédia que se abateu sobre a vida do músico Bruno De Stabenhath, mas peca pela direção convencional e pelo roteiro desprovido de um maior aprofundamento. Músico por profissão, playboy por vocação, Bruno sofreu um violento acidente automobilístico e perdeu os movimentos do corpo. Devido a altura da lesão, ficou tetraplégico e iniciou uma batalha inglória para adquirir uma nova vida, com o mínimo de qualidade. Endividado pelos excessos cometidos em noites mal dormidas, farras intermináveis e transas passageiras, ele contará com a solidariedade dos amigos e familiares para recomeçar.
O filme já tem início com Bruno sendo internado e lembrando, em flashbacks, dos dias anteriores ao acidente. Acompanhamos as suas apresentações como DJ, os ensaios e as discussões com os membros de sua banda de rock, somos cúmplices de suas traições, do dia em que foi abandonado pela namorada e do último encontro com a família numa casa a beira amar.
Na segunda metade do longa, acompanhamos o tortuoso tratamento de reabilitação, o convívio com os outros pacientes e uma frustrada tentativa de suicídio. Por fim, ele retorna ao lar e inicia um romance com uma bela jovem chamada Manon, que lhe dá esperanças para recomeçar. Tudo assim. Bem segmentado e burocrático, sem maiores ousadias e nenhuma empatia. A mensagem final de que o amor tudo salva, soa piegas e personagens importantes como os pais de Bruno simplesmente somem da trama, ou fazem uma mera figuração, caso do homem contratado para cuidar do rapaz e que mal aparece.
Em suma, um tema instigante desenvolvido de forma frouxa e superficial. Melhor seria se o diretor centralizasse a trama no período vivido pelo protagonista dentro do Hospital, rodeado por profissionais dedicados e pacientes desequilibrados. Infelizmente, ele opta por desenvolver várias subtramas que nunca chegam ao fim, atrapalhando o cerne da questão que é a reabilitação física e psicológica de um ser humano. No resultado final, salvam-se a boa composição do ator Titoff como Bruno, ele veio da comédia e está perfeito no uso do corpo e nos trejeitos inerentes a um paciente tetraplégico; e a trilha sonora do veterano Michel Legrand, misturando com maestria sintetizadores e instrumentos clássicos. Para finalizar, gostaria de destacar um furo absurdo do roteiro, somente identificável por pessoas do meio médico ou portadores de lesão medular: passados dois meses do acidente, o protagonista se surpreende com um procedimento vital a todo tetraplégico que é o cateterismo vesical. Como o indivíduo perde a sensibilidade do pescoço para baixo e não consegue urinar normalmente, faz-se necessário a introdução periódica de uma sonda no canal peniano para esvaziar a bexiga. Ou seja, desde o primeiro dia de internação o cateterismo é utilizado, tornando-se fundamental à boa recuperação do paciente.
OBS.: A foto acima é do verdadeiro Bruno De Stabenhat

segunda-feira, julho 17, 2006

É PROIBIDO PROIBIR

Foi com muita satisfação que recebi a notícia sobre a reformulação do anacrônico, esdrúxulo e restritivo sistema de classificação etária usada nos cinemas brasileiros, graças a uma liminar do Ministério da Justiça. A partir de amanhã (terça, 18/07), saI o famigerado "Proibido para menores de...” e entra em cena “Recomendado para maiores de...”, bem mais ameno e condizente com os novos tempos.
O que muda efetivamente é que os pais irão determinar o que os seus filhos podem ou não ver nos cinemas, assim como já o fazem no dia a dia em relação a outros assuntos. Assim, um filme recomendado para maiores de 16 anos poderá ser assistido por um jovem de 13 anos, desde que acompanhado pelos pais ou um maior responsável. A classificação anterior só continuará a vigorar para os filmes com cenas fortes de drogas, violência e sexo explícito, que continuarão proibidos para maiores de 18 anos. Ou seja, uma liberdade vigiada, mas muito bem-vinda.
Um sopro de civilidade num país marcado pela desordem civil, moral e ética, onde as crianças menores, devidamente orientadas pelos pais, poderão contar com o abrigo seguro e ilusório dos cinemas. Momentos de fantasia no meio de uma realidade cruel.

sábado, julho 08, 2006

QUANDO O AMOR SUPLANTA O SEXO

LIE WITH ME
Idem. Canadá, 2005. De: Clement Virgo. Com: Lauren Lee Smith, Eric Balfour, Kate Lynch, Polly Shannon, Don Francks, Michael Facciolo. A/DR. 92 min.
Jovem liberada sexualmente, entra em conflito ao se apaixonar por um rapaz já comprometido com outra, que cuida do pai doente nas horas vagas e que deseja iniciar um relacionamento baseado em algo mais do que apenas sexo. Esta produção canadense, por vezes, lembra os filmes do italiano Tinto Brass, repleto de heroínas corpulentas insatisfeitas e ninfomaníacas, mas tem seu o charme próprio. O diretor tenta ilustrar, com as ousadas ações da sua protagonista, a nova postura sexual das mulheres modernas, com práticas que até então eram comuns aos homens, mas reprováveis para a ala feminina, e homens cada vez mais subjugados e confusos com a nova liberalidade feminina. Isso fica evidente nas cenas em que a jovem masturba-se solitariamente diante de um vídeo pornô ou nos seus pensamentos expressos pela voz em off da atriz, que invariavelmente versam sobre a próxima transa e o próximo pau a ser chupado (não se assustem, a linguagem é chula assim mesmo durante toda a trama).
A atriz principal é linda e corajosa, pois participa de cenas explícitas, porém discretas, de sexo oral. O ator Eric Balfour, detentor de uma beleza exótica, foi revelado na série “A Sete Palmos” e é considerado um dos galãs da nova geração de atores americanos. Aqui ele mostra bem mais que o belo rosto.
Apesar de insipiente em alguns momentos, a obra resulta satisfatória e deve muito a sensualidade e empatia do casal central, que conquista o espectador de imediato. Bem mais interessante que muitas produções eróticas ralas e descerebradas que são distribuídas por aí. Filme inédito no Brasil.

quinta-feira, julho 06, 2006

O MEDO DEVORA A ALMA

O MEDO DEVORA A ALMA
Angst essen Seele auf. Alem., 1974. De: Rainer Werner Fassbinder. Com: Brigitte Mira, El Hedi bem Salem, Bárbara Valentin, Irm Herrman, Anita Bucher, Pater Gauhe. OP-14/DR. 93 min.
Para uma parcela significativa da crítica especializada, O Medo Devora a Alma é uma das obras primas do controverso diretor alemão Rainer Werner Fassbinder. Concebido durante o intervalo de duas grandes produções (Martha e Effi Breast), o filme foi realizado com poucos recursos e escrito com a intenção clara de tocar na ferida do racismo velado que permeava a sociedade alemã do pós-guerra, ainda marcada pela sombra do nazismo e submersa na divisão ideológica personificada pelo Muro de Berlim.
A trama tem início quando a viúva Emmi Kurowski, uma mulher velha e combalida como a própria Alemanha, para proteger-se da chuva, procura abrigo num bar freqüentado por imigrantes. Sorrateiramente, pede um refrigerante e passa a observar os clientes do lugar até ser surpreendida por um homem alto, forte e de feições rudes que a convida para dançar, incentivado pela voluptuosa dona do bar, que o desafiou a tomar tal atitude. Ele tem origem marroquina e chama-se El Hedi bem Salem (o mesmo nome do ator), mas é conhecido como Ali, um nome genérico usado para identificar os imigrantes de nome extenso e de difícil pronúncia, divide um apartamento com mais cinco amigos e trabalha numa pequena oficina. Encanta-se com a velha e solitária senhora, de quem se aproximou movido pelo acaso e resolve, por educação, acompanha-la até em casa.
Emmi mora sozinha num pequeno apartamento e devido a forte chuva que insiste em não parar de cair, convida Ali para subir e tomar um café. Ciente da grande distância que o homem terá que percorrer para voltar ao bar e da falta de conforto das suas atuais instalações, resolve convidá-lo a passar a noite, proposta que é prontamente aceita pelo marroquino. Arranja-lhe o pijama do falecido marido e acomoda-o no quarto de hóspedes. Ali não consegue dormir e procura abrigo nos braços de Emmi, como se fosse um garoto assustado em busca do colo materno que há muito foi perdido pelo transcorrer da vida. Os dois passam a noite juntos para surpresa da própria Emmi, que acorda atônita e ao mesmo tempo feliz com as emoções vividas. Tomam café juntos e despendem-se sem firmar compromissos ou estabelecer um novo encontro.
A velha viúva retorna as atividades cotidianas e cumpre o turno diário como faxineira, trabalho que a mesma sempre omite em virtude do preconceito acerca da atividade, considerada um subemprego. Ao final do dia, retorna ao bar na esperança de rever Ali, mas não o encontra. Desolada, retorna para casa e é surpreendida pela figura peculiar do imigrante, que a espera em silêncio, na porta do edifício. Novamente ficam juntos e no dia seguinte Emmi é abordada pelo filho do síndico que, tirando conclusões equivocadas quanto a presença de Ali, a informa que ela não pode sublocar o apartamento ao imigrante. De súbito, ela informa que irá casar-se com o rapaz para evitar maiores problemas. A idéia nascida da impulsividade, deixa o rapaz feliz e incentiva Emmi a transformar o improvável em realidade.
Os dois casam-se sem fazer alarde e iniciam um relacionamento repleto de bons momentos, mas incessantemente atacado pelos olhares de reprovação da sociedade e das pessoas que os cercam. Primeiro são os três filhos de Emmi, que não convivem com mãe há muito tempo e condenam a união; depois as vizinhas fofoqueiras e maledicentes; as colegas de trabalho que passam a desprezá-la e até o dono da mercearia do bairro, que se recusa a vender mercadorias a um estrangeiro de pele escura. Angustiada, Emmi decide viajar com Ali, para acalmar os ânimos de seus opositores e evitar maiores conflitos.
Ao retornar, o casal encontra várias mudanças e esta outra faceta do preconceito racial é habilmente abordada pelo roteiro. Da mesma forma que, logo de início, foram capazes de oprimir e repelir o casal, os detratores de outrora colocam a máscara da dissimulação e empurram para debaixo do tapete todo e qualquer resquício de intolerância quando o os seus interesses pessoais estão em jogo. Assim, um dos filhos volta a falar com a mãe pela simples necessidade de precisar desta para cuidar de seu filho, enquanto viaja a trabalho; as vizinhas passam a necessitar da força de Ali para realizar mudanças e pequenos reparos domésticos; e o dono da mercearia, fecha os olhos para as diferenças e tenta agradar a antiga freguesa para não ter prejuízo na sua receita mensal. A própria Emmi passa a interagir e a corroborar com esta sociedade de faz de conta, movida pelas aparências, onde os interesses individuais são mais importantes que os direitos coletivos. Isto fica bastante claro na cena em que ela deixa que as amigas de trabalho toquem os músculos de Ali, como se este fosse uma atração de circo, um ser “inferior” subjugado e colocado à disposição de pessoas supostamente “superiores”.
As novas imposições sociais deterioram o relacionamento do casal, e Ali vai buscar consolo no corpo farto da dona do bar, uma loira corpulenta e impassível que já havia sido amante do imigrante. Acuado e carente, ele desiste de voltar para casa, deixando a esposa sem notícias do seu paradeiro. Esta, por sua vez, entra em desespero com a ausência do marido e vai buscá-lo no único lugar onde ele poderia ter ido afogar as mágoas: o bar onde os dois se conheceram. De forma simbólica, Emmi adentra o local e, como se fosse a primeira vez, pede para tocar a música que os dois haviam dançado. Ao escutá-la, Ali, quase que mecanicamente, levanta-se e convida a velha senhora para dançar. É o recomeço de um romance interracial destruído pelas mazelas e interferências sociais . Mas nada será como antes, e desta vez o forte Ali caí, contorcendo-se de dor, vencido pelo estresse de um mundo opressora, movido por convenções ortodoxas, sentimentos postiços e pessoas duvidosos. De forma melancólica, o filme termina com o casal dentro de um hospital, com Emmi fazendo juras de amor eterno ao combalido Ali, vitimado por uma úlcera e deitado, inconsciente, numa cama como se fosse um sobrevivente de guerra. Não uma guerra real, mas um conflito invisível, nascido no berço da própria sociedade e tendo como combustível a intolerância e o ódio racial.
Simples e objetivo, muitos dizem que a história é baseada no romance real vivido pelo próprio Fassbinder com o ator El Hedi, um imigrante do sul da África que nunca se adaptou ao tratamento dado aos imigrantes dentro da Alemanha. Ele viveu com o diretor durante os anos setenta e participou de seus filmes como assistente ou atuando em pequenos papéis. A sua própria vida daria um filme e terminou de forma trágica. Desequilibrado e entregue ao alcoolismo, ele surtou numa farra noturna e apunhalou três pessoas. Condenado, enforcou-se na prisão no ano de 1982 . Desta vez, a vida foi mais cruel que a ficção.
O filme ganhou dois prêmios no Festival e Cannes e a atriz veterana Brigitte Mira, vinda de papéis coadjuvantes inexpressivos, foi eleita a melhor atriz alemã do ano de 74 pelo German Film Awards. A obra foi escrita, produzida e musicada pelo próprio Fassbinder, que também atua no pequeno papel de cunhado da velha senhora Emmi.

sábado, julho 01, 2006

MOSTRA DE FILMES IRANIANOS

Entre os dias 4 e 8 de julho (terça a sábado), São Paulo poderá conferir a produção da nova geração de cineastas iranianos promovida pela Galeria Olido. A mostra "Entre sonho e realidade - o novo cinema iraniano", que reúne 13 filmes inéditos no Brasil, entre curtas e longas-metragens, revela um cinema criado no tênue limite entre documentário e ficção, fortemente marcado pela aproximação com a realidade. A mostra é uma co-realização do DEFC - Documentary and Experimental Film Center (Irã) e tem curadoria do cineasta iraniano Massoud Bakhshi.Desde o fim da década de 80, o cinema iraniano vem conquistando espaço nas salas de cinema do país e tornou-se, ao longo deste tempo, razoavelmente conhecido pelo público brasileiro, com sua cinematografia que consegue extrair grandes filmes de argumentos quase sempre bastante simples. Foi a partir dos anos 60, que o documentário e o curta-metragem se consolidaram como gêneros no Irã. Uma nova geração de cineastas independentes como Manuchehr Tayyab , Ali Hatami, Mohammadreza Aslani ,Sohrab Shahid Sales , Amir Nader e Abbas Kiarostami começavam a fazer um "cinema diferente", inspirado essencialmente pela realidade da sociedade iraniana.Após a Revolução Islâmica em 1979, o cinema independente, incluindo também os curtas-metragens e documentários, passa a ser financiado pelo novo governo. O principal motivo do forte incentivo ao cinema nacional é a política oficial de combate ao lançamento de filmes hollywoodianos no país. Neste contexto, a Iranian Young Cinema Society (IYCS, estabelecida em 1983) e o Documentary and Experimental Film Center (DEFC, estabelecido em 1986) recebem a incumbência de descobrir e formar os jovens cineastas.Sustentado pelo Ministério da Cultura e das Artes, com 50 filiais em diferentes cidades do Irã, o IYCS centrou sua atividade na formação de jovens cineastas e na produção de seus filmes de curta-metragem, ao passo que o DEFC produzia, distribuía e promovia documentários e filmes experimentais destes mesmos cineastas, quando atingiam um nível mais profissional.De 1997, a safra de curtas-metragens de ficção e documentários, filmes de animação e experimentais não pára de crescer: são mais de 1000 produções durante este período. Esta situação também produziu cerca de 50.000 formandos em cinema no Irã, que vem obtendo grande sucesso em festivais internacionais de cinema e prêmios para filmes iranianos.

FILMES DA MOSTRA:
"O Outro Lado da Trincheira"(Sangar-e-Roberoo, 2004, 14min)Direção: Bayram FazliDurante a Guerra, numa trincheira, mulher procura seu irmão soldado que desapareceu.

"Linha Desocupada"(Khate Azad, 2005, 14min)Direção: Naghi NematiDois soldados conectam um aparelho telefônico a um poste para conversar com duas mulheres.

"Imam Internet"(Emamzadeh Internet, 2004, 30min)direção: Reza HaeryUm internet café no Sul de Teerã é o ponto de partida para este documentário sobre o uso da tecnologia na sociedade iraniana. Aspirantes a mulás estão conectados à internet e os demais usuários utilizam a rede para os mais diversos propósitos: chats, conversas sobre sexo, aconselhamento espiritual online. Intelectuais e membros do parlamento religioso também dão seus pontos de vista sobre o assunto.

"O Buraco"(Hofre, 2005, 6min)Direção: Vahid NasirianAo caminhar pelo deserto, um homem vê mãos que saem de dentro da areia oferecendo-lhe estranhas criaturas.

"Flores de Pedra"(Shekofehaye Sangi, 2005, 80min)direção: Azizollah HamidnezhadNuma pequena cidade fronteiriça, professor descobre que um de seus alunos trabalha a contragosto numa avícola, para completar a renda familiar. Ele, então, vende seus quadros na intenção de solucionar os problemas financeiros do aluno.

"Lendo a Sorte"(Fal-e-Ghahveh, 2005, 4min)direção: Sarah SaeidanDuas mulheres lêem a sorte na borra do chá enquanto o filho de uma delas imagina figuras assustadoras.

"As Borboletas Estão Logo Atrás"(Parvaneha Badraghe Mikonand, 2004, 80min)direção: Mohammad Ebrahim MoaieryNeda é uma menina que vive na parte Norte do Irã. Depois da morte de sua mãe, seu pai a leva para viver com sua nova mulher e filhos. Ao vê-la deprimida, seu irmão dedica-se a fazê-la feliz.

"Ele"(Ou, 2004, 91min)direção: Rahbar GhanbariUm clérigo que vive perto das montanhas Sabalan, no Nordeste do Irã, divide seu tempo entre os problemas familiares e as demandas dos habitantes de sua cidade, até que é convidado a tornar-se líder de uma mesquita.

"Círculo"(Dayereh, 1999, 14min)direção: Mohammad ShirvaniAno a ano a vida tediosa de um velho solitário passa.

"Milkan"(documentário, 2004, 30min)direção: Mino KianiNa primavera, as tribos de Gooran, Gholkhani e Banzardeh permanecem em Dalahou, no lado Norte das montanhas zagros. O filme retrata aspectos da vida tribal nessa estação, quando as mulheres são responsáveis por obter lenha e água, preparar comida e construir abrigos. Em Dalahou, mulher significa vida.

"Aan"(2005, 15min)direção: Poopak MozafariO encarregado de cuidar de uma estação de trem abandonada no deserto pinta seus pensamentos e desejos. Numa noite, chega um passageiro.

"Fair Play"(Sokoute Toulani, 1999, 30min)direção: Ebrahim AsgharzadehOs jogos da Copa do Mundo na França fazem com que Babak perceba suas raízes, após muitos anos vivendo no exterior.

"Identificação de uma Mulher"(Shenasaei-Ye-Yek Zan, documentário, 1999, 20min)direção: Massoud BakhshiUma mulher aposentada, que trabalhava em uma fábrica de lâmpadas, fala sobre sua vida, seu casamento e seu filho que vive nos Estados Unidos.

(EXTRAÍDO DA PROGRAMAÇÃO DA MOSTRA)

domingo, junho 25, 2006

O VÔO DA MORTE

UNITED 93
Idem. EUA/Ingl./Fran., 2006. De: Paul Greengrass. Com: Christian Clemenson, Trish Gates, Polly Adams, Cheyenne Jackson, Opal Alladin, Gary Comok. OP/DR. 91 min.
Primeiro filme comercial a tratar da tragédia que acometeu os Estados Unidos no dia 11 de setembro de 2002 (o segundo está sendo finalizado por Oliver Stone e deverá estrear ainda este ano nos EUA). De forma inteligente, o diretor Greengrass centralizou a história no vôo da aeronave United 93, o único dos quatro aviões seqüestrados que não atingiu o seu objetivo final e caiu num campo do interior da Pensilvânia. Enquanto os dois primeiros chocaram-se contra as torres gêmeas do World Trade Center e o terceiro contra o Pentágono, o vôo em questão estaria a caminho de Washington, tendo como alvo o Capitólio.
Mesclando de forma hábil o suspense gerado pelo clima claustrofóbico do interior da aeronave, com a ação e o empenho das cenas passadas nas torres de controle aéreo, onde militares e civis assistem absortos a destruição de monumentos e a queda “simbólica” do império americano, o filme prende a atenção desde o início, onde acompanhamos os preparativos e a concentração silenciosa daqueles quatro homens prestes a cometer um ato extremo em nome da fé e de ideais questionáveis.
Baseado no relato dos passageiros, que conseguiram entrar em contato com as famílias antes da queda do avião usando os celulares, em dados coletados nos relatórios da comissão de investigação e nas informações da caixa preta do avião, o roteiro é hábil ao gerar expectativas sobre uma história da qual já sabemos o final e ao registrar o suposto empenho de alguns passageiros que tomaram as rédeas da situação e tentaram enfrentar os seus algozes. O filme deixa evidente o nervosismo e o despreparo dos terroristas, e a demora por parte das autoridades norte americanas em tomar uma atitude mais rápida contra o perigo iminente.
United 93 é uma crônica eficaz sobre uma tragédia anunciada, constituída por uma ágil montagem, um elenco desconhecido e competente (escolha acertada do diretor, pois a história por si só já é forte o suficiente e a presença de um astro desviaria a atenção) e a dose exata de drama e suspense. Ponto para o diretor, que iria dirigir o terceiro filme da série dos X-Men, e acertadamente optou por este projeto. A sua câmera nervosa está presente e o timing para a ação continua intacto. Preparem-se, pois o filme é um jogo de nervos a flor da pele.

sábado, junho 24, 2006

O JAPÃO POP

É tão raro a comercialização de filmes nipônicos por estas praias, que o registro deste evento torna-se imprescindível: "Entre os dias 28 de junho a 16 de julho o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em São Paulo, receberá a mostra "JAPÃO POP-O NOVO CINEMA JAPONÊS". O evento apresenta um panorama inédito no Brasil da cultura jovem do Japão atual, a partir do olhar de alguns de seus mais importantes e originais cineastas contemporâneos. Foram escolhidos filmes que "refletem e revelam tanto nos aspectos da produção quanto na temática, o que de mais novo está ocorrendo na arte no Japão deste início de milênio", diz Marcos Mantoan, gestor do CCBB. Além da apresentação dos filmes, serão realizadas palestras (sempre aos sábados), que abordarão o surgimento deste cinema e a visão de seus autores.

FILMES
Blue Spring (foto acima) (Aoi Haru)2000, 35 mm, 14 anosDir. Toshiaki ToyodaSufocados e entediados pela vida de estudante, Kujo e seu amigo de infância Aoki acabam de entrar, juntos com outros colegas, no colegial. Em um perigoso jogo onde eles saltam e batem palmas até se segurarem de volta no parapeito da cobertura do edifício da escola, é decidido quem vai comandar o grupo, e a escola. Kujo alcança um novo recorde de oito palmas. Mas para ele, vencer o jogo e comandar a escola parecem não importar nem um pouco. Incomodado com essa atitude de Kujo, Aoki repentinamente muda de visual e comportamento, entrando em rivalidade com seu antigo amigo.Primeira adaptação para cinema de um livro do popular artista de "mangas" Matsumoto Taiyo, Blue Spring é uma reflexão sobre os problemas e ansiedades de um grupo de estudantes do ensino secundário. Com sua história totalmente centrada na vida dentro do ambiente escolar, que é tratado quase como um universo à parte, o filme mostra a difícil busca da individualidade dentro das relações de poder e de necessidade de auto-afirmação dos jovens estudantes.

Electric Dragon 80.000 V (Electric Dragon 80.000 V)2000, 55 min, Vídeo, 12 anos.Dir. Sogo IshiiQuando criança, ao subir em uma torre de alta tensão, "Dragon eye" Morrison sofreu uma descarga elétrica que o carregou com a força de 80.000 Volts. Agora ele divide seu tempo entre explosões de violência, tocar sua guitarra e procurar lagartos perdidos. Thunderbolt Budd, um perito em eletricidade com o mesmo poder de Morrison, ao descobrir sua existência resolve torná-lo seu rival e atraí-lo para um duelo. Até que os dois finalmente se encontram em uma batalha com a carga de relâmpagos.O filme, além de reassumir uma forma anarco-punk dos anos 80, ressalta o submundo dos becos e telhados de Tókio, em uma linguagem visual que deve muito à arte dos mangás. Com uma trilha sonora punk e barulhenta, seu caráter audacioso é reafirmado pela presença de dois grandes ídolos do cinema japonês (Tadanobu ASANO e Masatoshi NAGASE) nos papéis principais, não escolhidos por acaso, segundo Ishii, que mostra, literalmente, a sua intenção de chocar o público.

Female (Fimeiru) 2005, 118 min, 35 mm, 16 anosDir. Tetsuo Shinohara, Ryuichi Hiroki, Suzuki Matsuo, Miwa Nishikawa, Shinya TsukamotoFEMALE é uma coleção de cinco curtas eróticos, baseados em contos de escritoras de sucesso japonesas e dirigidos por importantes diretores, que revelam a natureza, a força, as fraquezas e os instintos de cinco mulheres de gerações diferentes.

Firefly (Hotaru)2000, 164 min, 35 mm, 16 anosDir. Naomi KawaseAyako é uma dançarina de striptease em depressão após sofrer um aborto e terminar seu relacionamento com um namorado abusivo. Daiji é um solitário artesão que produz cerâmicas para cerimônias religiosas. O encontro dos dois vai levar a um relacionamento no qual ambos tentarão superar os retrocessos de suas existências para entrar em uma nova fase na vida. Em Hotaru, Kawase investiga temas como tradição e memória, tentando aos poucos penetrar no mundo interior de seus personagens.Festivais e prêmios: Melhor Atriz, Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires, 2001. Prêmio CICAE, Prémio FIPRESCI, Festival Internacional de Cinema de Locarno, 2000.

Hush! (ídem) 2001, 135min, 35mm, 12 anosDir. Ryosuke HashiguchiNaoya vive uma vida auto-centrada como um homem gay assumido, até que em uma casualidade conhece Katsuhiro e se apaixona. Asako, uma mulher psicologicamente frágil que deseja ter um filho, conhece os dois por acaso em um restaurante e vê, em Katsuhiro, o pai ideal. Ela então propõe que concebam, juntos, uma criança. Naoya opõe-se à idéia, e se irrita com Katsuhiro, que sempre escondeu sua homossexualidade e não consegue se decidir. A já complexa relação entre os três vai ser colocada em xeque com a visita inesperada da família de Katsuhiro.Hashigushi consegue fazer justiça a todas as suas personagens e às muitas linhas narrativas e temas. Vemos os três protagonistas se separarem, antes que suas vidas se cruzem novamente. Naoya trabalha em uma pet shop e freqüenta bares e boates gays, mas tem a sensação de que falta algo em sua vida relaxada e um tanto quanto egoísta. Quando conhece Katsuhiro, ele se apaixona. Katsuhiro esconde sua homossexualidade de sua família e amigos, inclusive de um colega, que está apaixonado por ele. A terceira protagonista é Asako, uma mulher com um histórico de doença mental e desejo por crianças. Quando Katsuhiro a trata de forma paternal em um encontro muito breve em um restaurante, ela decide que ele seria o pai ideal. Seu desejo, é claro, causa problemas no relacionamento entre Naoya e Katsuhiro. O complexo relacionamento triangular atinge um clímax cômico e trágico durante uma visita inesperada da família de Katsuhiro. Ryosuke realizou um melodrama cativante e em muitos momentos cômico sobre relacionamentos (homossexuais), amizade, solidão e família. Uma mulher decide que quer ter um filho com um homem gay. O que o namorado dela vai achar disso? O que é uma família? Como nós reconhecemos uma? São duas das questões colocadas por "Hush!". Em uma sociedade que não encontra mais segurança nas antigas tradições, três pessoas solitárias tentam criar uma definição de família, na qual possam acreditar.

It's Only Talk (Yawarakai Seikatsu)2005, 126 min, 16 anosDir: Ryuichi HirokiYuko, uma mulher solteira e desempregada que passa por um período de depressão, divide seu tempo entre alguns amigos homens, cada um com seu estilo próprio. Para conviver com cada um deles, ela adapta sua própria personalidade, atuando de diferentes formas dependendo de quem está por perto, o que acaba escondendo de todos como ela realmente é.Tendo o vídeo digital com meio para apresentar a personagem Yuko, o filme revela problemas reais e contemporâneos. As emoções da mulher japonesa de trinta e poucos anos, que considera o fato de uma mulher seguir carreira profissional tão apelativo quanto ser uma dona de casa à parte do mundo, fazendo com que ela encare a total falta de alternativas e o medo do relacionamento e da intimidade. Um filme leve sobre uma mulher independente que tem um problema não tão leve assim. Yuko tem quatro amantes.

No One's Ark (Baka no Hakobune)2002, 111min, 35mm, 12 anosDir. Nobuhiro YamashitaO jovem Daisuke e sua namorada, Hisako, deixam Tóquio e vão para a pequena cidade natal de Daisuke, tentar convencer a população local a consumir uma bebida saudável que, por causa de seu horrível sabor, eles não conseguem vender em Tóquio. Mas nem sua própria família e seus colegas de infância se empolgam com a empreitada dos dois. Ambientado no início da década de 90, o filme mostra, com toques de humor, a dificuldade das novas gerações em achar um lugar na economia de seu país."Se Jarmusch reencarnasse como um japonês de vinte-e-poucos anos, ele filmaria No One's Ark", escreveu um crítico. Observações aguçadas e boas piadas mostrando uma crise como pano de fundo.

Otakus in Love (Koi no Mon)2004, 116 min, 35mm, 12 anos Dir. Matsuo SuzukiMon, um pobre artesão que desenha mangás em pedras, ao recolher uma pedra no chão tem sua mão pisada pelo salto do sapato de Koi, uma garota viciada em cosplay e popular criadora de mangas para meninas. Koi, na mesma hora, se sente atraída pelo rapaz, que continua interessado na pedra. Passeando pelo universo extremamente popular do mangá no Japão, o filme narra a relação tortuosa dos dois, onde opostos se atraem, mas também se repelem.Por ser baseado em um "manga" de Hanyunyuu Jun, o filme apresenta uma série de piadas internas dos adeptos leitores de "mangas" populares.

Ping Pong (Ping Pong)2002, 114 min, 35 mm, 12 anosDir. Fumihiro Masuri (Sori)Amigos de longa-data, Peco e Smile chegaram a uma encruzilhada. Smile é o melhor jogador, mas perde constantemente para Peco, devido a um deturpado senso de amizade. Com a possibilidade dos dois se encontrarem na final de uma importante competição, a rígida técnica Obaba pressiona Peco: é hora de impor-se ou desistir. Para Smile, impor-se é duro, para Peco, desistir é quase impossível.

Tokyo Noir (Tokyo Noir)2004, 127 min, 35 mm, 18 anosDir: Masato Ishioka, Naoto KumazawaUma coletânea com três histórias curtas sobre a vida de três mulheres vivendo em Tóquio e suas diferentes atitudes em relação ao sexo. Um filme onde o erotismo é utilizado como uma ferramenta para delinear os traços psicológicos das personagens e contextualizar o momento em que vivem.

Vibrator (Vibrator)2003, 95 min, 35 mm, 16 anosDir: Ryuichi HirokiRei Hayakawa, uma escritora independente, tem o dom de ouvir vozes dentro de sua cabeça. Mas as vozes lhe causam dor: elas a preocupam, dificultam seu sono, a levam a beber e causam desordens alimentares. Uma noite, em uma loja de conveniência, com as vozes mais altas que nunca em sua cabeça, ela conhece um motorista de caminhão. Ela decide embarcar com ele em uma viagem e, enquanto seu corpo se rende às vibrações do caminhão, vai aos poucos se libertando das vozes em sua cabeça.Com este filme, Ryuichi(mesmo diretor de It's Only Talk e co-diretor de Female),explora esta 'geração perdida', tema que abordará também em "It's Only Talk", simbolizada por vidas conturbadas e futuro incerto. Questionado sobre o sucesso do filme em vários festivais internacionais, inclusive por ter sido eleito o melhor filme de 2003 pela crítica, Ryiuchi credita o fato ao filme tratar de questões basicamente femininas e à maneira como elas são descritas, aliado à curiosidade masculina em entender o universo feminino." (extraído da programação oficial do evento)

sexta-feira, junho 23, 2006

O OLHO

Este é um dos mais originais cartazes de todos os tempos. O Festival Internacional de Cine Erótico de Barcelona irá realizar esse ano a sua décima quarta edição, mas ainda não conseguiu superar a criatividade desta peça que conseguiu unir com maestria as idéias de visão cinematográfica e erotismo, que é o tema predominante dos filmes apresentados no evento. Uma idéia explícita, expressa de forma implícita e que não choca nenhuma platéia, pois as crianças enxergarão como um olho, enquanto que os adultos vislumbrarão o real sentido da imagem. Genial!

quarta-feira, junho 21, 2006

TRÊS PERSONAGENS EM CONFLITO

ANTARES.Austria, 2004. De: Götz Spielmann. Com: Petra Morzé, Andréas Patton, Harry Priz, susanne Wuest, Dennis Cubic, Andréas Kiendl, Martina Zinner. A/DR. Visto em 19/06. 105 min
Inédito no Brasil, ANTARES é mais um forte, vigoroso e ousado representante do novo cinema vindo da Áustria. Mostrando invejável domínio de cena, o diretor Spielmann costura habilmente três histórias independentes, cujos personagens somente têm em comum o endereço: residem num amplo e populoso condomínio formado por edifícios e situado no subúrbio. Durante toda a trama eles se esbarram por alguns instantes, interferindo superficialmente ou participando como coadjuvantes dos outros segmentos graças ao bem elaborado roteiro, que relata de forma crua e direta momentos de intenso conflito vivido por três personagens. A primeira é uma enfermeira, casada e mãe de uma adolescente, que entrega-se sem limites aos jogos sexuais propostos por um homem de quem nem sabe o nome. A temperatura sobe e assim como outras produções austríacas recentes (Dog Days e outros), o sexo é praticamente explícito. No segundo segmento, temos uma jovem caixa de supermercado ávida para realizar o sonho de ser mãe e insegura quanto a fidelidade do namorado. O último protagonista é um corretor de imóveis instável e violento que faz de tudo para readquirir o amor da esposa e o respeito do filho pequeno. Apesar de independentes, as histórias complementam-se por expor as reações inusitadas de pessoas comuns diante de situações limites. Contando com um excelente e corajoso elenco, o filme prende a atenção desde o começo e chama a atenção para liberalidade e tolerância do povo austríaco. No primeiro segmento, por exemplo, a filha adolescente da enfermeira é lésbica e o fato é tratado com extrema naturalidade pelos pais, fato raro para os nossos ultrapassados padrões latinos.

sábado, junho 17, 2006

OS VIVOS E OS MORTOS

LAD DE SMA BORN
Idem. Dinamarca, 2004. De: Paprika Steen. Com: Sofie Gråbøl, Mikael Birkkjær, Laura Christensen, Lars Brygmann, Karen-Lise Mynster, Søren Pilmark, Lena Endre. A/DR. 104 min.
Será que os seres humanos são capazes de superar as perdas impostas pela vida? É a pergunta que o filme procura a todo instante responder. Seja através do casal principal, que perde a filha única num trágico atropelamento e não consegue reconstruir a vida; no casal formado por Nisse e Vivi, que ao optar por uma vida sexual mais intensa, deixou o tempo passar e perdeu a chance de ter filhos; na figura da jovem mãe solteira que perdeu a oportunidade de dar um lar digno ao seu bebê e vive sob a tutela da assistência social; e na figura patética e sofrida da corretora de imóveis que separou-se do marido, tornou-se alcoólatra e provocou a morte acidental de uma criança. São perdas e danos irreversíveis que pairam sobre as cabeças de cidadão comuns, perdidos no meio de sentimentos adversos, dúvidas recorrentes e sofrimento intenso.
Essa colcha de retalhos tecida por pequenas e intensas tragédias humanas compõem a poderosa estréia por trás das câmeras da atriz dinamarquesa Paprika Steen, musa do movimento Dogma 95, onde estrelou “Festa de Família” e fez uma pequena participação em “Os Idiotas” de Lars Von Trier. Loira e boa atriz, ela demonstra segurança e competência num filme denso, sem concessões e apoiado por um elenco primoroso. Vale destacar a contida interpretação do ator Mikael Birkkjaer (que havia visto antes no filme Oh Happy Days, no apagado papel de marido da protagonista), que centraliza no olhar marejado toda a dor e a fúria sentidas pela perda da filha única; e a atriz Karen-Lise Mynster, que foi protagonista no filme de estréia de Liv Ullman (Sofie), e aqui rouba a cena como a mulher responsável pelo atropelamento fatal da filha única do casal central (essa cena não é mostrada, pois o filme começa cinco meses após esse incidente), uma alcoólatra inconveniente que vive marcando encontros infrutíferos com estranhos, para aplacar a solidão e manter a sanidade mental. Ela trabalha como corretora de imóveis e todas as manhãs, antes de sair para a labuta diária, ensaia um sorriso mecânico diante do espelho e decora frases de efeito para vestir o personagem da profissional simpática e equilibrada que há muito deixou de ser.
Duas cenas merecem destaque: a bestial vingança perpetrada pelo pai contra a corretora e o belo final onde o casal tenta trocar de carro, por considerá-lo grande demais para apenas duas pessoas, e a esposa chora e fala pela primeira vez sobre a perda da filha, diante de um atônito vendedor de carros. Este, aliás, é responsável pela frase que irá nortear a vida do casal: - Carros grandes são bons para realizar viagens longas. O casal se entreolha, desiste da compra, entra no carro decidido a recomeçar e a câmera os acompanha distanciando-se pelas ruas da cidade. Os letreiros sobem e ao fundo ouvimos a música “Loosing my Religion” (do REM) na voz sensual de Nina Parssons, vocalista da banda nórdica The Cardingans. Belo e tocante.

quinta-feira, junho 15, 2006

AME-O OU DEIXE-O

SALVE-SE QUEM PUDER – A VIDA
Sauve qui peut – La vie. França,1980. De: Jean-Luc Godard. Com: Isabelle Huppert, Jacques Dutronc, Nathalie Baye. A/DR. 87 min.
Não procurem compreender a obra de Jean-Luc Godard, no máximo tentem apreciá-la. Herméticos, inovadores e contestadores são alguns dos adjetivos que acompanham os filmes deste iconoclasta surgido na década de cinqüenta em pleno berço intelectual francês e que, de lá para cá, tem deixado marcas indeléveis na arte cinematográfica. O seu compromisso desde o início foi “desconstruir” a forma tradicional de fazer cinema, desenvolvendo narrativas sem compromisso com a linearidade, repletas de frases desconexas, cenas inusitadas e críticas explícitas a própria arte de filmar.
Após a fase áurea do seu cinema, que compreendeu toda a década de 60, Godard dedicou-se a um período de experimentações audiovisuais nos anos 70, onde desenvolveu projetos inovadores em vídeo, realizados em parceria com Anne-Marie Miéville. Com a chegada dos anos oitenta, o contestador mais uma vez surpreende e retorna ao cinema ficcional com esta obra interessante e que nada deixa a dever aos seus primeiros trabalhos. De cara, concorreu a Palma de Ouro em Cannes e deu a Nathalie Baye o César de melhor atriz coadjuvante.
O filme acompanha três personagens: a mulher urbana (Baye, jovem e carismática) que viaja para o campo para filmar e montar um documentário; o namorado desta (Dutronc, cantor e ator limitado), que entra em crise com a ausência da amada e funciona como uma espécie de alter ego do diretor dentro da trama, usando o nome de Paul Godard e dando aulas sobre cinema; e a jovem prostituta que trabalha na cidade, mas sonha em comprar uma ampla casa no campo. Durante mais de meia hora acompanhamos as idas e vindas do casal principal que, após esse período, literalmente some da trama dando lugar as desventuras profissionais da prostituta interpretada com frieza e distanciamento por Isabelle Huppert. Neste momento o filme cresce e ganha ritmo, transformando o espectador numa espécie de voyeur desavisado, que observa com surpresa as taras e manias da garota e de seus clientes. Por sinal, Huppert protagoniza duas cenas desconcertantes, recheadas do humor sardônico e cruel de Godard: na primeira, ela dá dicas e verifica a experiência da irmã mais nova, que também decide tornar-se prostituta; na segunda, participa de uma orgia patrocinada por um velho homem de negócios, em companhia de mais duas pessoas, na qual é coagida a emitir sons enquanto pratica sexo grupal e passa baton na boca do velho (!). São sequências ridículas e complexas ao mesmo tempo, capazes de desnudar de forma inequívoca as fraquezas da natureza humana.
Ao final, os três personagens se encontram e o destino impõe as suas regras. A conclusão é satisfatória e termina colocando em cena outros personagens que estavam soltos na trama, caso da irmã da prostituta e da filha do personagem masculino principal. Durante a narrativa, saltam aos olhos as tentativas cênicas do diretor para subverter as regras e expor a fragilidade da linguagem cinematográfica, como no momento em que uma figurante dirige-se a câmera e pergunta sobre a música incidental do filme, que ela não deveria escutar; ou quando a câmera persegue, inadvertidamente, um casal qualquer, colocando em segundo plano o casal principal. São momentos sutis que confundem e irritam os espectadores leigos e fascinam os admiradores deste gênio do inconformismo, que desde o início surgiu para confundir, jamais para explicar.

quarta-feira, abril 12, 2006

O FUTEBOL E O CINEMA

Em ano de Copa do Mundo e sendo o Brasil o maior celeiro mundial de craques, essa reportagem do jornalista Lello Lopes sobre o fracasso comercial dos filmes sobre o esporte mais amado do país é de extrema relevância.
07/04/2006 - 08h10
Nem Copa do Mundo faz cinema brasileiro "enxergar" o futebol
Lello Lopes em São Paulo

O futebol enche a telinha da TV, mas a telona do cinema praticamente ignora o esporte. Além dos jogos ao vivo, é impossível hoje passar pelo intervalo sem ver um comercial ou uma promoção relacionada à Copa do Mundo. Já para assistir a um filme sobre futebol, o torcedor precisou de paciência em 2006. Apenas agora, a dois meses para o início da Copa, um filme sobre o esporte vai entrar em cartaz no circuito comercial brasileiro. A estréia de "Boleiros 2 - Vencedores e Vencidos" nesta sexta-feira em São Paulo e no Rio de Janeiro (na semana que vem em Curitiba e Porto Alegre) é apenas um paliativo para um fenômeno que acontece desde o início da cinematografia nacional: a pouca atenção dada ao tema."Existe uma resposta genérica e outra estrutural para isso. A genérica é que nunca houve uma indústria de cinema que merecesse esse nome no Brasil. Se você pensar em Carnaval, vai chegar em três ou quatro bons filmes. Assim, quase todo tema tem tratamento capenga. A resposta estrutural é que é muito difícil capturar a essência do futebol. Você consegue reproduzir melhor uma partida de basquete ou futebol americano. No futebol, fica muito falso", analisa o jornalista Sérgio Rizzo, crítico de cinema da Folha de S.Paulo. "As tentativas todas ficam na superfície. Dá uma sensaçãozinha postiça", completa.Rizzo usa como exemplo "O Casamento de Romeu e Julieta", filme de Bruno Barreto lançado no ano passado. Mesmo utilizando jogadores de verdade na cena em que Corinthians e Palmeiras se enfrentam no estádio do Pacaembu, as jogadas parecem muito coreografadas. "É muito falso", afirma.O filme de Barreto, mesmo diretor de "O Que é Isso, Companheiro?", foi o que teve melhor público entre os longas-metragens brasileiros sobre o futebol lançado depois da chamada "retomada" do cinema nacional, a partir de 1994. Aproximadamente 970 mil pessoas foram ao cinema assistir à história de amor entre um corintiano e uma palmeirense.O público do filme foi 51 vezes maior do que aquele que compareceu ao estádio do Morumbi para ver o polêmico empatepolêmico de 1 a 1 entre Palmeiras e Corinthians há duas semanas, pelo Campeonato Paulista. Já outros filmes da retomada tiveram público bem abaixo do esperado. "Boleiros - Era Uma Vez o Futebol...", de 1998, levou aos cinemas 60 mil pessoas. "Garrincha - Estrela Solitária", de 2003, teve um desempenho ainda mais decepcionante: 7.877 pessoas, público digno de um Madureira x Americano (aliás, os dois times levaram na semana passada ao Maracanã na decisção da Taça Rioa apenas 7.433 torcedores).
Desempenho decepcionante também teve o documentário "Pelé Eterno", de 2004, que conseguiu cerca de 260 mil espectadores, bem abaixo do 1 milhão esperado pelos produtores. Entretanto, o filme é um sucesso de vendas em DVD. Como base de comparação, o filme brasileiro mais visto no ano passado foi "2 Filhos de Francisco", com 5,3 milhões de espectadores. O recorde do país ainda pertence a "Dona Flor e Seus Dois Maridos", também de Bruno Barreto, que em 1976 levou aos cinemas mais de 10 milhões de espectadores.Ugo Giorgetti, diretor dos dois "Boleiros", acredita que existe uma pressão maior ao se fazer um filme de futebol. "Não dá para ignorar o fato de você ter 180 milhões de técnicos. Você precisa ser muito cuidadoso. E filmar cena de jogo é muito complicado, por isso tem pouca cena", explica.O veteraníssimo ator Lima Duarte, que está na única cena de jogo de "Boleiros 2", tem outra explicação para a escassez de filmes sobre o esporte. "Acho que o brasileiro ama tanto o futebol que ele identifica qualquer coisa. Assim, cada um identifica o futebol como quer."Para o historiador Sidney Ferreira Leite, autor do livro "Cinema Brasileiro - Das Origens à Retomada", o fato do cinema atrair pouco o público do futebol é que até hoje os filmes sobre o assunto não conseguiram mexer com o coração do amante do esporte."O público do futebol é diferente do público do cinema. E é difícil conseguir levar público de uma mídia muito popular (o futebol) para o cinema. "2 Filhos de Francisco" conseguiu fazer isso com o público de música sertaneja, mas o futebol ainda não conseguiu. Talvez o Mazzaropi (que realizou "O Corintiano", em 1967) tenha conseguido, mas a faixa de público dele coincidia com a do futebol", explica Leite.O filme de Mazzaropi é até hoje lembrado como um dos melhores sobre o futebol no Brasil. O primeiro sobre o tema é "Campeão de Futebol", dirigido por Genésio Arruda em 1931, que tem no elenco craques da época como Feitiço e Arthur Friendreich. Desde então, a participação de boleiros em filmes sobre o futebol se tornou uma constante, que vão desde Leônidas da Silva em "Alma e Corpo de uma Raça", de 1938, a Sócrates, em "Boleiros - 2".
Sócrates, aliás, brinca com a sua atuação. "Eu não interpreto a mim mesmo. Isso é um factóide. Eu interpreto um ex-jogador. É que fazer um ex-boleiro é pleonástico."O jogador brasileiro que conseguiu maior sucesso no cinema, interpretando a si mesmo ou fazendo um outro papel, é o mesmo que teve o melhor desempenho no campo: Pelé. A primeira participação do Rei no cinema foi em "O Preço da Vitória", de 1959. Em 72, fez Chico Bondade, no filme "A Marcha". Sete anos depois, no papel dele mesmo, atuou no filme "Os Trombadinhas".Outra participação bastante lembrada de Pelé aconteceu em 1986, quando ele foi goleiro em "Os Trapalhões e o Rei do Futebol". Mas o seu filme mais famoso aconteceu mesmo no exterior. Em 1981 ele foi uma das estrelas de "Fuga para a Vitória", dirigido por John Houston, que tinha o brucutu Sylvester Stallone como goleiro, o inglês Michael Caine como técnico e a participação de alguns outros jogadores, como Bobby Moore.

PEQUENA PRODUÇÃO ESTRANGEIRAA pouca atenção do cinema ao futebol não é um fator exclusivo do Brasil. Até hoje, nenhum filme sobre o esporte conseguiu ser um sucesso de crítica e público. A produção mais audaciosa é "Gol!", que conta até com um aval oficial da Fifa. O filme, lançado no ano passado, é o início de uma trilogia que mostra a ascenção de Santiago, norte-americano que deixa um bairro pobre de Los Angeles para tentar a sorte na Inglaterra.Vários jogadores participam do filme, entre eles David Beckham, Raúl, Zidane, Alan Shearer, Gerrard e Kluivert. Entretanto, o ar de superprodução não impediu o filme de ser um fracasso nas bilheterias. De qualquer forma, os outros dois filmes da série estão programados para estrear em 2006 e 2007.Outro filme de futebol lançado no ano passado foi o alemão "O Milagre de Berna", que usa como pano de fundo a vitória da Alemanha sobre a Hungria na decisão da Copa do Mundo de 1954, na Suíça. O filme, entretanto, não ficou muito tempo em cartaz no Brasil. Pior aconteceu com "Hooligans" (foto), que tem no elenco o eterno hobbit Elijah Wood. A história do norte-americano que se muda para a Inglaterra e acaba envolvido com hooligans locais passou longe dos cinemas brasileiros. Apenas cópias em DVD foram disponibilizadas para o país.

OUTROS FILMES SOBRE FUTEBOL
Futebol em Família (1939)O Gol da Vitória (1945)O Homem Que Roubou a Copa do Mundo (1961)Garrincha, Alegria do Povo (1962)Passe Livre (1974)Asa Branca, Um Sonho Brasileiro (1980)Onda Nova (1983)Pra Frente Brasil (1984)Uma Aventura de Zico (1998)A Taça do Mundo é Nossa (2003)

terça-feira, abril 11, 2006

MORRE VILGOT SJÖMAN, DIRETOR DO CONTROVERSO " I AM CURIOUS, YELLOW"

Copenhague, 10 abr (EFE).
- O escritor e diretor de cinema suecoVilgot Sjoman, discípulo de Ingmar Bergman, morreu aos 81 anos como conseqüência de um derrame cerebral, informou hoje o Comitê Sueco deProfissionais Artísticos e Literários em comunicado.O cineasta, que morreu neste domingo no hospital Sankt Goeran deEstocolmo, trabalhou no começo de carreira como ajudante de Bergman,que disse há anos que tinha ensinado Sjoman a escrever roteiros.Sjoman rodou 15 filmes durante sua carreira, em que combinou ficção e documentário para questionar a sociedade sueca.Após sua estréia com "Aelskarinnan" (A amante sueca, 1962), Sjoman adquiriu fama na Suécia com a adaptação cinematográfica do romance"491" (1964), de Lars Goerling, proibida por suas cenas explícitasde de sexo e violência.O sucesso internacional veio três anos depois com "Jag aernyfiken-gul" (Sou curiosa, amarelo) e sua continuação "Jag aernyfiken-blaa" (Sou curiosa, azul), que chamou a atenção por suas provocadoras cenas de sexo. O cineasta foi processado nos Estados Unidos por causa desse filme, acusado de obscenidade e pornografia.Ganhador do prêmio Ingmar Bergman em 2003, Sjoman lançou sua última obra, "Alfred", sobre o inventor Alfred Nobel, em 1995. Nos últimos anos, Vilgot Sjoman esteve envolvido junto ao diretor Claes Eriksson em um processo contra o canal "TV4" por violar seus direitos autorais ao intercalar anúncios na emissão de seus filmes na televisão. Os diretores ganharam o caso em primeira instância em dezembro de 2004, mas o canal recorreu da sentença à Audiência Nacional, que divulgará na quarta-feira sua decisão judicial.

segunda-feira, abril 10, 2006

"CASABLANCA" É ELEITO O FILME COM MELHOR ROTEIRO DE TODOS OS TEMPOS

da BBC Brasil
O clássico Casablanca foi eleito o filme com o melhor roteiro da história do cinema, em uma votação realizada pelo Writers Guild of America, que reúne roteiristas de Hollywood.Na eleição, os membros da associação escolheram os 101 melhores roteiros de uma lista de mais de 1,4 mil.A produção estrelada por Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, de 1942, foi adaptada por Julius e Philip Epstein, além de Howard Koch, da peça Everybody Comes to Rick's, de Murray Burnett e Joan Alison.O Poderoso Chefão, de Mario Puzo e Francis Ford Coppola, ficou em segundo lugar na pesquisa. A seqüência O Poderoso Chefão 2 também está entre os dez mais votados.O terceiro do ranking foi Chinatown, escrito por Robert Towne e dirigido por Roman Polanksi.Outro clássico dos anos 40, Cidadão Kane, de Herman Mankiewicz e Orson Welles, ficou em quarto lugar.A lista dos Top 5 é completada por A Malvada, de Joseph Makiewicz.Os roteiristas com mais roteiros indicados entre os finalistas foram Woody Allen, Francis Ford Copolla e Billy Wilder, com quatro, cada um.Charlie Kaufman, William Goldman e John Huston tiveram três menções cada

quinta-feira, abril 06, 2006

O PODER DA GELÉIA

CONFITUUR
Idem, Bélgica/Suíça, 2004. De: Lieven Debrauwer. Com: Rik Van Uffelen, Marilou Mermans, Chis Lomme, Viviane De Muynck, Ingrid De Vos, Jasperina de Jong.L/DR. Visto 21/03. 84 min.
Comentário:
Confituur (geléia) é uma delicada parábola sobre o desgaste natural das relações humanas diante da inevitável e difícil passagem do tempo. A história é centrada num casal de idosos, prestes a comemorar 50 anos de união, formado pelo mal humorado Tuur, proprietário de uma pequena sapataria, e pela doce Emma, uma dedicada dona de casa. Os dois não dormem mais no mesmo quarto há muito tempo, face os roncos do marido, e quase não dialogam mais, deixando as rédeas da casa e do destino da pequena família nas mãos da temperamental Gerda, irmã de Tuur, que em virtude de uma doença congênita não consegue mais andar e passa os dias sobre uma cama supervisionando as atividades domésticas e interferindo na vida pacata do velho casal.
No dia da festa para comemorar as bodas de ouro, Tuur decide dar um basta na rotina diária e abandona a esposa sem deixar explicação alguma, indo morar com sua outra irmã Josée, defenestrada desde cedo pela família por ter optado viver entre as luzes e o brilho do palco de um cabaret. Desolada de início, mas conformada como de costume, Emma aos poucos vai adquirindo vontade própria e transformando os seus dias. De mulher triste e submissa, torna-se empreendedora e passa a ganhar dinheiro com a venda das geléias que outrora eram feitas para o consumo próprio. Apoiada pela única filha e pela cunhada deficiente, a doce senhora toma para si o controle da própria vida e, pela primeira vez em muitos anos, redescobre a alegria de viver.
No outro extremo, o velho Tuur começa a sentir saudades da vidinha sem graça e novidade que havia deixado para trás e que era a única que conhecia e, no fundo, gostava. Cabisbaixo e calado, aproveita o clima de tristeza causado pelo velório de Gerda, que morreu vítima de uma queda, para ir voltando ao antigo lar. Silenciosamente, recomeça a ajudar Emma nas rotinas domésticas e ao final do dia é recompensado com a imagem do seu velho pijama bem passado e meticulosamente colocado sobre a cama, simbolizando o perdão da esposa. Mas dessa vez algo mudou, os papéis se inverteram e agora é Tuur quem acorda a mulher para trabalhar.
Um belo exemplar do moderno cinema belga, cuja cinematografia nunca foi devidamente prestigiada. O tema da terceira idade é recorrente na filmografia do jovem Lieven Debrauwe, que estreou no longa-metragem com Pauline & Paulette (2002), sobre o tortuoso conflito vivido por três velhas irmãs, que recebeu o prêmio do júri ecumênico em Cannes, e fez uma bela carreira internacional. Confittur é o segundo longa do diretor. Mais consistente e tecnicamente superior ao anterior, tem na força das interpretações de um elenco formado por veteranos, e no uso correto das pausas e dos silêncios prolongados, duas grandes qualidades. Destaque para as mágicas seqüências que ocorrem quando o diretor sincroniza com perfeição as ações dos personagens com a música incidental, criando um inusitado e divertido concerto visual, onde até os gritos e reclamações da velha Gerda transformam-se, aos olhos da câmera, nas orientações de um exaltado maestro. Pura poesia.

sexta-feira, março 24, 2006

A VINGANÇA DA MULHER MAL AMADA

A VINGANÇA DE ALEXANDRA
Alexandra´s Project. Austrália, 2003. De: Rolf de Heer. Com: Gary Sweet, Helen Buday, Bogdan Koca. A/DR. 103 min
Comentário:
A câmera adentra as ruas de um pacato bairro de classe média australiano. Ao final do percurso, estamos dentro da casa de Alexandra, mais precisamente no quarto desta que, silenciosa, contempla o marido dormindo. Os seus olhos são de tristeza e a sua angústia velada anuncia que algo estranho está prestes a acontecer. De repente, o silêncio é quebrado pelos dois filhos do casal que trazem presentes e enchem de afagos o pai, aniversariante do dia. Steve está casado há mais de dez anos com Alexandra, é um quarentão ainda atlético, que gosta de se exercitar todas as manhãs, e um executivo de sucesso que coleciona promoções. Ao se despedir para cumprir mais um dia de trabalho, ele mal suspeita que quando voltar nada será como antes.
De posse de um roteiro instigante, o diretor Rolf de Heer desenvolveu um filme simples e rápido, quase todo centrado num único cenário, a casa recheada de aparatos de segurança. Contando com a poderosa e corajosa (face o grau de exposição física e psicológica) interpretação da dupla de atores centrais (ambos premiados na Austrália), a trama retrata as conseqüências drásticas de uma relação matrimonial fracassada, onde o ódio de uma mulher mal amada e tratada durante anos como mero objeto sexual pelo macho provedor é capaz de desencadear uma insana represália. O problema é que essa vingança perpetrada pela personagem título é mais reprovável e cruel do que o comportamento chauvinista do marido. Mais dialogo e menos radicalismo funcionariam melhor, mas como está já desperta a discussão e faz pensar. As feministas vão adorar a figura do homem acuado e sem chances de redenção.

terça-feira, março 21, 2006

SANGUE, MÚSICA (RUIM) E MUITOS ALIENÍGENAS

ATOMIK CIRCUS – LE RETOUR DE JAMES BATAILLE
Idem. França/Alemanha/Grã Bretanha, 2004. Direção: Didier Poiraud, Thierry Poiraud. Elenco: Vanessa Paradis, Jason Flemyng, Benoît Poelvoorde, Jean-Pierre Marielle. 92 min
Comentário:
Num pequeno povoado francês, fundado pelo visionário Bosco (o veterano Jean-Pierre Marielle) para realizar espetáculos circenses e festivais culturais, o jovem alto e bem nascido (assim apresentado pelo roteiro) James Bataille vai trabalhar como dublê de cenas perigosas e termina se envolvendo com a bela Concia (Vanessa Paradis, responsável pelo “clássico” da música pop Vou de Táxi – arrgh!), cantora e filha do dono do lugar. Quando tenta saltar, sob uma moto, uma fileira de barris com pólvora, cai antes do previsto e destrói quase todo o vilarejo. É detido e condenado a 133 anos de prisão.
Passado algum tempo no cárcere, o rapaz decide fugir no mesmo dia em que vários alienígenas estão atacando a comunidade de sua amada. De prisioneiro ele é alçado a condição de herói de ocasião e enfrenta como pode as deformadas figuras espaciais. Uma, inclusive, se aloja no traseiro de um empresário charlatão que tenta transar com a bela Concia.
Após uma trajetória de quatro curtas, os irmãos Poiraud estréiam no mundo do longa metragem com esse verdadeiro samba-do-crioulo-doido. É uma homenagem explícita ao cinema trash dos anos cinquenta, com muitos monstros mal feitos e sangue espirrando a cada minuto. O cachorrinho mecânico é o exemplo máximo dessa precariedade proposital que permeia todo o filme. Não é uma produção Z, mas sim um filme classe A com acabamento bem tosco. Infelizmente, em algum momento o ritmo cai e o final em aberto não contribui nem um pouco. Mas os diretores demonstram talento e num futuro próximo devem surpreender.

sábado, março 18, 2006

AS CONTRADIÇÕES DA ALMA

O MUNDO DE LELAND
The United States of Leland. EUA, 2003. De: Matthew Ryan Hoge. Com: Don Cheadla, Ryan Gosling, Jena Malone, Chris Klein, Kevin Sapecey, Lena Olins, Michelle Williams, Martin Donovan, Ann Magnuson, Kerry Washington, Sherilyn Fenn, Matt Malloy, Michael welch. OP/DR. Visto 12/03 (DVD) 108 min
Comentário:
O maior prazer para um cinéfilo é descobrir pequenas obra-primas em celulóide. E o melhor é quando essa descoberta reside em títulos obscuros e desconhecidos. Nunca tive vontade e nem planejei assistir ao filme O Mundo de Leland, tanto que ele me chegou por acaso,através de um irmão. Lançado direto em DVD, ele sequer foi comentado pelas revistas especializadas e sites de renome. Uma falta grave, pois é daquelas obras que grudam feito chiclete e continua viva na memória dias, meses e até anos depois de termos assistido. É cinema que acrescenta e nunca subtrae.
Trata-se de mais um belo exemplar do que vem sendo produzido pelo cinema independente americano. Bancado pelo ator Spacey e dirigido pelo desconhecido Matthew Ryan Hoge (cuja experiênca anterior se resume a uma comédia pouco vista chamada Self Storage, de 1999), O Mundo de Leland é um filme complexo, mas perfeitamente compreensível. Fala das inquietações e dos temores humanos, da falência das famílias modernas e da ausência de perspectivas por parte dos jovens, outrora rebeldes e hoje seres apáticos, sem rumo e conteúdo algum.
O mundo do jovem Leland Fitzgerald, um adolescente de 16 anos, é sombrio, triste e feito de pequenos contentamentos, como namorar a jovem Becky Pollard, uma garota frágil e há muito mergulhada no mundo das drogas. Filho de um escritor renomado, cujo grande talento é proporcional a arrogância, o garoto foi criado pela mãe e não vê o pai desde os seis anos de idade, quando este os abandonou.
Somos apresentados a trama pela narração em off do protagonista, que tece uma série de questionamentos interessantes e dá a entender que fez algo de errado naquele dia, mas não consegue lembrar o quê. Na verdade, Leland cometou um crime e não nega a autoria do mesmo, mas não sabe discorrer sobre as razões que o levaram ao delito. O mais chocante, é que a vítima é o inofensivo irmão caçula de sua namorada, portador de deficiência mental. Após esse inicio forte e cheio de mistério, o diretor vai confeccionando coerente e lentamente a colcha de retalhos formada por Leland e todos os outros personagens que o circundam. É um carrossel de emoções diversas construído de forma hábil, aonde o uso de idas e vindas narrativas é constante, mas jamais confuso ou capaz de desviar o foco da ação.
Preso, o jovem começa a chamar a atenção pela sua inteligência e conformismo e concorda em relatar a sua vida ao professor da unidade corregional, um escritor frustrado que vê na história o tema ideal para um livro de sucesso. É dele,inclusive, uma frase genial:” ...um indivíduo só se torna escritor quando as pessoas lêem a sua obra...... “. A relação do dois é pautada na confiança mútua e é bastante curioso ver a moral e a ética do professor supostamente “íntegro” ser questionada por um “assassino” confesso, quando o primeiro traí a namorada de muitos anos com uma jovem colega de trabalho pelo simples e instintivo prazer sexual.
Não esperem uma solução óbvia demais, pois as razões para o crime estão no interior do jovem Leland, que carrega dentro de si um universo vasto de emoções contraditórias, sentimentos dúbios e dúvidas recorrentes. Quase sempre impassível, sem demonstrar emoções, ele transita entre o bem e o mal e mata o garoto para exorcisar toda a tristeza que envolve o seu ser e salvar de uma vida limitada e infeliz as pessoas que ama. O final é extremamente comovente e evita qualquer julgamento moral, pois o próprio Leland também é uma vítima gerada e criada no seio de uma sociedade destruída pela violência, destituída de valores éticos e submersa na vala comum da hipocrisia.
Destaque para todo o elenco, formado pelos mais talentosos atores do momento. Gosling confirma todas as expectativas e, aos 23 anos, dá veracidade e conteúdo a um personagem difícil, sete anos mais jovem, e que não emite emoção alguma. Don Cheadle compõe um escritor e professor dedicado, totalmente dividido entre a vontade de ajudar e ao mesmo tempo tirar proveito da história em benefício próprio. Neste ponto ele se iguala ao ausente e ambicioso pai de Leland, que colocou a carreira acima de tudo e é personificado, com a competência habitual, por Spacey. Por fim, temos a gracinha da Jena Malone como a namorada drogada e Martin Donovam, uma figura constante nas obras independentes, como o pai do garoto assassinado. A única exceção é o fraco Chris Klein, totalmente inexpressivo num papel chave. Mas não compromete o excelente resultado final.

terça-feira, março 14, 2006

ESSE OBSCURO OBJETO DE DESEJO

UM PONT ENTRE DEUX RIVES
Idem, França, 1999. De: Gerard Depardieu e Frédéric Auburtin. Com: Carole Bouquet, Gerard Depardieu, Charles Berling, Stanilas Crevillén, Dominique Reymond, Mélanie Laurent. OP/DR. Visto 12/03 (TV 5) 95 min
Comentário:Lembro de Carole Bouquet na sua estréia diante das câmeras em Esse Obscuro Objeto de Desejo (1977), último filme do mestre Luis Buñuel. Vivendo um papel duplo, também interpretado pela espanhola Agela Molina e fruto da mente surreal de Buñuel, a sua gélida e sensual personagem leva à loucura um homem mais velho (Fernando Rey). E diante da beleza pálida de Bouquet, qualquer loucura é justificada. Depois deste começo, foi bond-girl, participou de muitas fitas obscuras e pouco vistas na década de 80 e encontrou o seu espaço dentro do cinema fracês nos anos 90. Casou com a “máquina de fazer filmes” Gerard Depardieu, e este, em agradecimeto por ela agüentar os seus vários quilos a mais, dirigiu este filme nostálgico e sensível. Aos 42 anos, Carole está luminosa como Mina, uma dona de casa em plena década de 60 que vive com o filho adolescente (o bom Crevilée) e o marido desempregado (Depardieu). Diante da falta de perspectivas, ela aceita trabalhar como cozinheira na mansão da família Daboval e tem como único passatempo as alegres tardes de domingo passadas dentro do cineminha local. O marido encontra uma nova função com mestre de obras na construção de uma ponte, numa cidade próxima, e começa a se ausentar, tempo suficiente para que Mina conheça Matthias, o engenheiro da ponte, e inicie uma nova história de amor, com a relutante cumplicidade do filho. Em determinado momento a verdade vem à tona e como estamos diante de um filme francês, a resolução é bastante civilizada e satisfatória, como deveria ser na vida real, mas não o é. Esta é a segunda experiência de Depardieu como diretor, antes havia feito Tartuffo em 84, e ele demonstra ter aprendido bem o novo ofício. O filme é bem conduzido, corretamente fotografado e apresenta uma convicente recostituição dos anos sessenta (a trilha sonora é uma delícia!), mas o maior destaque é mesmo a beleza madura de Bouquet. Ao contrário de outras atrizes quarentonas, cada vez mais deformadas pelo Botox, ela não esconde a sua maturidade e por isso mesmo imprime jovialidade e carisma a um personagem que também consegue conquistar os espectadores, tornando totalmente verossímil a paixão imediata sentida pelo engenheiro. Tudo bem, é meio estranho ver Carole, com seu ar aristocrático, servindo mesa e cortando cebola, mas se até a patricinha milionária Paris Hilton (argh!) tirou leite de vaca e fez faxina no reality show The Simple Life, o filme está mais do que perdoado.

sexta-feira, março 10, 2006

A PATRICINHA LOIRA GANHOU O OSCAR E O CAWBOY GAY FOI ESNOBADO

Não poderia deixar de registrar aqui neste democrático blog, uma das melhores observações feitas sobre a noite do Oscar e , mais especificamente, a ganhadora do prêmio de melhor atriz: a eterna "Ilegalmente Loira" Reese Witherspoon. Esta peróla foi criada pelo cineasta e crítico pernambucano, Kleber Mendonça Filho, e corrobora com a mesma sensação que tive ao ver a loirinha agradecendo a láurea alcançada e deixando para trás a caracterização perfeita de Felicity Huffman, como um transexual, no filme Transamerica.
"........o prêmio "Alçapão 2006" foi para Reese Witherspoon e vê-la vestida de sinhá com jeito de guaxinim nos fez entender que seu melhor papel até hoje, como a adolescente ambiciosa de Eleição (1999), talvez não tenha sido, no final das contas, uma atuação. Witherspoon levou Melhor Atriz por Johnny e June, sobre a vida de Johnny Cash, mais um Oscar do "kit padrão" hollywoodiano........."
Antes de finalizar, não posso deixar de falar do maior mico do evento que foi premiar Crash em detrimento do franco favorito, Brokeback Montain. Mais uma prova irrefutável de que os membros da Academia estão cada vez mais velhos e gagás. Conservadorismo e prepotência diante do óbvio, nos dias de hoje, só gera mais intolerância e reforça a doutrina de criaturas deploráveis como o Sr. George W. Bush. Atual Imperador do Planeta Terra, ele já deixou de cuidar do bem estar do povo americano há muito tempo (os sobreviventes de New Orleans que o digam), papou o Iraque e está, discretamente, direcionando o seu arsenal bélico para o Irã. Até lá, eu espero que não lembre da nossa Floresta Amazônica para compor a sua coleção de conquistas. À ele, o Oscar mais justo de todos, o de Idiota do Ano.

quarta-feira, março 08, 2006

PETER PAN E A SOMBRA DO TERRORISMO

MUNICH
Idem. EUA,2005. De: Steven Spilberg. Com: Eric Bana, Daniel Craig, Ciarán Hinds, Mathieu Kassovitz, Hans Zischler, Mathieu Almaric, Ayelet Zorer, Michael Lonsdale, Geoffrey Rush, Marie-Josée Croze, Gila Almagor, Moritz Bleibtreu, Valerie Bruni Tedeschi, Lynn Cohen, Yvan Attal, Robert John Burke, Yahuda Levi. A/DR. Visto 03/03 . 164 min
Comentário:
Spilberg é Spilberg e ninguém pode lhe tirar o mérito de ser um dos mais influentes diretores das últimas décadas. Subverteu o gênero do suspense, tornando carros e animais marinhos aterrorizantes (Encurralado e Tubarão); deu um nono e poderoso impulso aos filmes de aventura (Indiana Jones); ensinou que os extraterrestres também podem ser camaradas (E.T. e Contatos Imediatos do Terceiro Grau); e mostrou sem retoques os horrores vividos pelo seu povo durante a segunda guerra (A Lista de Schindler). Taxado de eterna criança e Peter Pan da indústria cinematográfica, face aos recorrentes temas infantis e a constante mania de instituir em suas obras improváveis finais felizes, num mundo onde a falta de caráter e o ódio racial imperam. Seus personagens sempre têm um surto de bom mocismo e eventualmente atingem a redenção. Exemplo crasso é o personagem Arthur Schindler, que tem um deslavado surto emocional na última cena do filme que deu o Oscar ao diretor e comprovou que ele também poderia desenvolver temáticas adultas, apesar da derrapada final com o objetivo de verter lágrimas nas platéias mundiais e glorificar um personagem que, apesar do apoio aos judeus, era antes de tudo um comerciante e não a “mamãe Dolores” apregoada pelo diretor. Mas críticas a parte, após sucessivas derrapadas (O Terminal, Guerra dos Mundos), ele retorna ao mundo dos adultos e aborda o espinhoso conflito entre árabes e judeus. Adaptando o romance Vengeance: The True Story of an Israeli Counter-Terrorist Team, de George Jonas, ele retrata com virtuosismo técnico e violência explícita o sangrento seqüestro perpetrado por terroristas do grupo Setembro Negro contra atletas israelenses, durante as Olimpíadas de Munich em 1972, e as suas inevitáveis conseqüências políticas. Acuada por não ter negociado com os terroristas, a Primeira Ministra de Israel, Golda Meir, deixa a diplomacia de lado e vê como única alternativa pagar na mesma moeda a chacina que eliminou nove atletas e manchou de sangue a bandeira de Israel. Para cumprir a tarefa, convoca a temida Mossad, polícia secreta israelense, para planejar e executar o plano de vingança. O jovem Avner, ex-guarda-costas da Ministra, é designado como líder da equipe formada por mais quatro membros, todos com passado desconhecido e unidos em torno de um único objetivo: localizar e matar, um a um, os 11 terroristas árabes envolvidos no atentado de Munich. Vivendo como clandestinos e contando com as informações do francês Louis, uma fonte duvidosa, que na verdade trabalha para os dois lados e coloca em risco a vida dos agentes. Trabalhando com um elenco internacional, predominantemente formado por australianos e ingleses e sem nenhum americano (fato raro na obra de Spilberg), o diretor traça passo a passo o planejamento e a execução dos assassinatos, intercalando cenas do seqüestro em Munich e destacando o crescente conflito ético vivido pelo personagem de Avner. Ao mesmo tempo em que executa friamente os seus alvos humanos, acompanha o nascimento da filha e é privado do convívio familiar. Aos poucos , ele vai perdendo a sua identidade e o foca da missão, virando um mero e frio assassino sem pátria e objetivos de vida. Sem tomar partido, a mensagem de Spilberg é clara: um conflito que de início tinha como foco a disputa territorial, transformou-se num banho de sangue desmedido, onde a vida humana perdeu o seu valor e o ódio racial tomou o espaço ocupado pela ideologia política e o amor pátrio. Desde já, um dos melhores filmes do diretor, com fotografia de Janusz Kamisnski, roteiro de Tony Kuschner e Eric Roth e música de John Williams que pontua com maestria os momentos de tensão. Foi indicado para cinco Oscars e não ganhou nenhum.

sexta-feira, março 03, 2006

UMA PAUSA PARA O OSCAR

Faltam dois dias para o tapete vermelho ser estendido e receber diretores, produtores, estrelinhas de ocasião, astros em ascensão e muito glamour. Neste momento a Internet está infestada por pseudos-críticos e alguns bogueiros metidos a besta dando palpites infundados a cada minuto. Diante de tanto amadorismo, nada melhor para o momento do que reproduzir uma matéria séria e bastante informativa de Arthur Spiegelman, jornalista da respeita Agência Reuters de Notícas. Ele está em Los Angeles e vivencia todo o clima pré-cerimônia, ao contrário dos palpiteiros locais.

Por Arthur Spiegelman

LOS ANGELES (Reuters) - O Oscar deste ano será gay ou violento? O que parecia uma corrida fácil para uma dupla de cowboys homossexuais pode se transformar numa disputa acirrada. O favorito "O Segredo de Brokeback Mountain" parece estar enfrentando uma ameaça de última hora com o drama racial "Crash -- No Limite" na luta pelo prêmio de melhor filme, sugerem entrevistas com membros da Academia e especialistas em Oscar.
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood mantém o resultado da votação em segredo completo até o momento da verdade: a cerimônia deste domingo, que será vista por centenas de milhares de pessoas em todo o mundo e apresentada pela primeira vez pelo comediante de língua afiada Jon Stewart.
Todo o segredo não evitou especulações sobre uma virada depois de meses de previsões de que o prêmio mais importante da indústria cinematográfica iria, pela primeira vez, para uma história de amor gay, "O Segredo de Brokeback Mountain". O filme recebeu oito indicações, mais do que qualquer outro este ano, e tornou-se um fenômeno social como objeto de discussão, piadas e paródias.
A revista People publicou um encarte especial sobre o Oscar esta semana, no qual a manchete, em cor-de-rosa choque, declarava: "Oscar: Sim, sou Gay". O título estava sobreposto a uma fotografia da estatueta de ouro e a pôsteres de "Brokeback" e de dois outros filmes, "Capote" e "Transamerica".
"Oito indicações para o filme cowboy gay, duas para a fita transexual, cinco para a história de Truman Capote. À primeira vista, a lição da premiação da Academia este ano é simples. O atalho para a glória do Oscar é uma palavra com três letras: g-a-y", explicava a People.
"Ouvi mais pessoas falando em votar em 'Crash' do que em 'Brokeback', mas lembro quando todos os membros da Academia com quem havia conversado em 2002 disseram que tinham votado em 'Moulin Rouge -- Amor em Vermelho', e o favorito daquele ano, "Uma Mente Brilhante", ganhou. É muito difícil desbancar um favorito", afirmou o especialista em Oscar Tom O'Neil.
O dramaturgo e ativista pelos direitos dos gays Tony Kushner, autor de "Anjos na América", que concorre a um Oscar como co-roteirista de "Munique", diz que algumas pessoas estão "assustadas com 'Brokeback' porque se trata de um filme gay".
FILME AUDACIOSO
Mas ele acrescentou: "Às vezes você faz algo corajoso e destemido e assume o risco. Toda Hollywood está se sentindo assim com relação a 'Brokeback'. O filme vai se sair muito bem na disputa. É um filme lindo e, graças à corrida pelo Oscar, alguns milhões de pessoas a mais vão assisti-lo e mudar suas opiniões".
Os cinco indicados para melhor filme, que ainda incluem "Munique", "Capote" e o drama da era McCarthy "Boa Noite e Boa Sorte", é um grupo sério -- filmes com temas que refletem o debatido liberalismo de Hollywood. Como grupo, eles não se saíram muito bem nas bilheterias.
Por exemplo, "O Segredo de Brokeback Mountain" arrecadou 75 milhões de dólares após 12 semanas em cartaz, cerca de 2 milhões de dólares a menos que "Guerra dos Mundos" em quatro dias em exibição, em julho passado.
"Crash -- No Limite" se passa em Los Angeles e pode atrair a atenção dos eleitores do Oscar, já que muitos vivem na cidade e podem simpatizar com o tema do filme, raças que não se misturam até colidirem uma com a outra em seus carros. O filme recebeu seis indicações ao Oscar, mesmo número de "Boa Noite e Boa Sorte" de George Clooney.
Alguns especialistas dizem que a única aposta certa de vitória numa categoria importante é a de melhor ator, para Philip Seymour Hoffman. Hoffman faz o papel de Truman Capote em "Capote". Em sua interpretação, o escritor norte-americano é um bom vivant manipulador e ambicioso que ganha a confiança de um assassino confesso, e então deixa o homem e seu parceiro morrerem a fim de obter um final para seu livro, "A Sangue Frio".
Mas, mesmo nesta categoria, a competição é acirrada. Hoffman deve derrotar Terrence Howard de "Ritmo de um Sonho", Heath Ledger lutando contra seus próprios sentimentos como um dos cowboys de "Brokeback", Joaquin Phoenix como o cantor Johnny Cash em "Johnny e June" e David Strathairn como o jornalista Edward R. Murrow em "Boa Noite".
A corrida pelo Oscar de melhor atriz ainda está muito embolada entre as favoritas Reese Witherspoon, no papel da cantora June Carter em "Johnny e June", e Felicity Huffman, interpretando um homem que está prestes a se submeter a uma operação de mudança de sexo em "Transamerica".
Mas é difícil prever o vencedor até mesmo em categorias que não são consideradas as principais, como a de melhor filme estrangeiro. Três dos cinco filmes indicados -- o palestino "Paradise Now," o sul-africano "Tsotsi" e o alemão "Uma Mulher contra Hitler" -- têm chances na disputa.
Então prepare-se, pegue o saco de pipocas e espere para ver quem vai ganhar no domingo. O Oscar pode ou não ser gay neste ano, mas com certeza ele será cheio de surpresas.

quarta-feira, março 01, 2006

DIVINA LOUCURA

PINK FLAMINGOS
Idem. EUA, 1972. De: John Waters. Com: Divine, David Lochary, Mink Stole, Mary Vivian Pearce, Danny Mills, Edith Massey, Cookie Mueller. A/C. Visto 28/02 (Cinemax) 108 min
Comentário
Divine recebe o título de “A Pessoa Mais Obscena do Mundo” e desperta a inveja do casal Raymond e Connie Marble. Eles são tarados, ladrões e se acham merecedores da alcunha concedida ao obeso travesti, pois levaram anos construindo um rentável império formado por lojas pornôs e por um negócio dos mais politicamente incorretos, que consiste em seqüestrar jovens mulheres, engravida-las a força e vender os bebês para casais de lésbicas (!). Obstinados, descobrem o paradeiro da rival, que usa o nome verdadeiro de Babs Johnson e vive num trailer em companhia da mãe, viciada em ovo e que passa os dias dentro de um cercadinho, do filho tarado e da amiga voyeur. Depois de algumas reviravoltas, o confronto entre o casal e a heroína é inevitável e repleto das mais absurdas seqüências. Clássico absoluto do mau gosto e da liberdade vivenciada pelos precursores do cinema americano independente no final dos anos 60 e início dos 70, este Pink Flamingos é o terceiro longa de John Waters, rodado em 16 mm, tendo como cenário Baltimore, a sua terra natal, e como estrela Divine, ou melhor Harris Glenn Milstead (morto em 88, vítima de um ataque cardíaco). De lá para cá, o mundo mudou e a América involuiu, corroborada pela chegada ao poder dos conservadores republicanos e das suas noções tortas de ética, justiça e moral exacerbada. O máximo de ousadia hoje nos Estados Unidos é a visão cândida de um seio fujão da cantora Janet Jackson durante um evento esportivo, suficiente para virar escândalo internacional e trazer a tona a crescente ausência de liberdade de expressão vivida pelos americanos da era Bush. Até o outrora ousado Waters, tirou o time de campo e só produz comediazinhas insossas e convencionais. Melhor ficar com as duas cenas clássicas da sua fase áurea, que fariam o titio Bush corar: o repugnante close de um ânus prestes a defecar e a insana “mamãe” Divine realizando um espontâneo e explícito fellation para acalmar a ansiedade do seu filhinho. Mais transgressor, impossível!. Essa é uma versão restaurada pela New Line em virtude da comemoração de 25 anos do filme, e traz ao final comentários do diretor, sempre elegante de terno, gravata borboleta e o indefectível e bem aparado bigodinho.

domingo, fevereiro 26, 2006

O OBJETO DE DESEJO

O JOELHO DE CLAIRE
Le Genou de Claire. França, 1970. De: Eric Rohmer. Com: Jean-Caude Brialy, urora Cornu, Béatrice Romand, Laurence de Monaghan, Michele Montel, Gerard Falconetti, Fabrice Luchini. L/DR.Visto25/02(TV5)105min
Comentário:
Antes do primeiro contato com a extensa obra de Rohmer, o espectador médio deve ter a consciência de que estará diante de um filme excessivamente falado, repleto de cenas contínuas, nenhum movimento elaborado de câmera, cortes rápidos e desprovido de ação física. Avisado sobre esses detalhes, é só se desligar do mundo por algumas horas e mergulhar num universo repleto de frases deliciosas, personagens dúbios e sentimentos velados. Oriundo da crítica francesa e um dos pilares do movimento da Nouvelle Vaghe, Rhomer alcançou sucesso internacional com esta obra que ganhou diversos prêmios: National Board of Review, San Sebastián, Sindicato dos Críticos Franceses e uma indicação ao Globo de Ouro. O filme é um retrato sem retoques de um homem beirando os quarenta anos que retorna a um agradável balneário francês com o objetivo de vender a casa de campo da família. Jérome é diplomata de profissão e está decidido a casar com a amante de muitos anos não por amor, mas por estar acostumado com ela, como ele mesmo diz. Sob um agradável clima de verão, ele passa os dias em companhia da amiga Aurora, uma escritora com quem trava ácidos diálogos sobre o relacionamento homem-mulher. Com o passar dos dias, anunciados didaticamente por letreiros que entram inadvertidamente em cena, outros personagens vão surgindo e modificando a pacata rotina do campo. Primeiro a adolescente Laura, que se apaixona por Jérome e em seguida a sua irmã Claire, que ao contrário da primeira trata o diplomata com indiferença. Indiferença que instiga e desperta o desejo de Jérome, personificado no joelho da jovem. Essa inusitada parte do corpo é evidenciada quando Claire sobe uma escada para colher frutas silvestres (cena já clássica) e num segundo momento quando o namorado da jovem toca o joelho da mesma, demonstrando sutilmente o sentimento de posse que permeia a relação dos dois. O antes calmo, centrado e galanteador diplomata é tomado pela inveja e deixa aflorar os seus instintos humanos mais baixos, não pensando duas vezes quando tem a oportunidade de destruir o namoro dos jovens. Ele flagra o namorado de Claire com outra e o delata de imediato, como mero pretexto para fragilizá-la, tocar o seu joelho e assim satisfazer seu desejo, sem mensurar as conseqüências e a falta de ética deste ato. É um final que choca pela exposição direta da natureza humana, repleta de fraquezas escondidas sob faces inocentes e discursos programados. Componente da série batizada por Rhomer de Contos Morais, esta obra permanece na nossa memória feito cola e incomoda como poucas, pois joga na cara as imperfeições e os desvios de caráter aos quais todos somos suscetíveis. Aos 86 anos (!), o diretor continua a filmar e talvez só perca em longevidade para o português Manoel de Oliveira que já ultrapassou a barreira dos noventa anos. Ele mantém uma obra coerente com os seus primeiros trabalhos, onde o maior mérito é radiografar os seres humanos com sutileza e bom gosto, sem fazer concessões de nenhuma natureza. Destaque no elenco para Brialy, discreto e convincente como o dúbio Jérome e Fabrice Luchine, loiro e adolescente e uma presença obrigatória em outros filmes do diretor. O restante do elenco não conseguiu desenvolver uma carreira nos cinemas: a bela Laurence de Monaghan faz uma eficiente Claire, atuou em mais cinco longas e abandonou a carreira em 79; Gérard Falconetti, no papel do namorado de Claire, é neto da lendária atriz Renée Falconetti (A Paixão de Joana D´Arc, 1928 de Dreyer) e morreu prematuramente em 84, após pequenos e inexpressivos papéis. A fotografia é do renomado Néstor Almendros, que ganharia o oscar em 78 pelo belo Cinza no Paraíso, de Terrence Malick e viria a falecer em 92, vítima da Aids.