O
indefectível tapete vermelho com o desfile interminável de celebridades
ostentando vestidos e joias emprestadas numa milionária ação de merchandising orquestrada
pelas grifes de luxo marcou o início da cobertura do mais popular prêmio de
cinema do mundo: o Oscar. A profusão de cores, brilhos e amenidades só foi
ofuscada quando a atriz Jennifer Lawrence resolveu confirmar a fama de
desastrada e tombou em plena passarela para o deleite dos fotógrafos presentes,
rememorando a cena protagonizada por ela mesma ao subir as escadas para receber
o prêmio de melhor atriz no Oscar do ano passado. O tombo não passou incólume e
virou alvo de piada da apresentadora Ellen De Generes durante a cerimônia deste
ano.
Ellen
comandou a premiação com piadas leves e um carisma impar ao lidar com o
público, lapidado nos últimos anos graças ao programa de entrevistas que
comanda na TV americana e que ganhou força com a aposentadoria de Oprah Winfrey
do ramo. A naturalidade da comediante foi tanta que muitos nem perceberam a
inédita inserção comercial feita por ela em dois momentos distintos. Primeiro
tentou improvisar a realização de um “selfie” - o famigerado auto retrato tirado
pelo celular - com as estrelas presentes e conseguiu dois feitos: tornou a foto
a imagem mais replicada da história do twitter (até o momento já ultrapassou a
marca de 2,5 milhões de retuites) e divulgou, despretensiosamente, o novo
smartphone da Samsung (os fofoqueiros de plantão garantem que ela usava um I Phone
nos bastidores do evento). Num segundo momento, alegando estar preocupada com
os convidados famintos, bancou a boa samaritana e adentrou ao palco ao lado de
um entregador de pizza portando várias caixas da deliciosa iguaria. Caixas
essas com a logomarca da empresa e patrocinadas por aquele famoso refrigerante
de rótulo vermelho que é um dos patrocinadores oficiais do evento. Preciso
dizer mais alguma coisa?!
A
cerimônia em si foi bastante dinâmica e fluiu bem durante as longas três horas
de duração. Os números musicais das canções concorrentes foram distribuídos
entres vários blocos e deram ritmo ao show. Pharrell Williams fez todos
dançarem com a música “Happy” e destacou na plateia aquela que viria a ser a
estrela da noite, Lupita Nyong’o. Karen O
trouxe o intimismo de “Her” para o palco com uma inspiradora imagem da lua ao
fundo. O U2 mostrou por que se mantém a tanto tempo na estrada. Enquanto Idina
Menzel colocou o seu vozeirão a serviço da canção vencedora “Let Go” do desenho
Frozen. As outras canções ficaram a cargo de Bette Midler que apresentou o seu
hit “Wind Beneath My Wings” em homenagem a todos os astros falecidos no último
ano. Dentre eles o nosso Eduardo Coutinho que teve a sua imagem projetada no
palco do Kodak Theater ao lado de nomes como os de Phillip Seymour Hoffman,
James Gandolfini e Shirley Temple. Coutinho era membro da academia e um dos
mais respeitados documentaristas do mundo, apesar da abrangência limitada de
sua obra. Também tivemos no palco a cantora pop Pinky entoando “Somewhere Over
The Rainbow” em homenagem ao Mágico de Oz com direito a presença vip na plateia
dos filhos de Judy Garland: Liza Minelli (inchada), Lorna e Joey Luft.
A
premiação não apresentou surpresas e todos os vencedores já haviam sido
agraciados pelos respectivos sindicatos de classe, o que não gerou dificuldade alguma
aos experts de plantão que ganham a vida fazendo previsões a todo instante nos
blogs, sites e revistas especializadas mundo afora. Cate Blanchet não foi
arranhada pela campanha difamatória movida contra Woody Allen pela ex-mulher
Mia Farrow e o filho de ambos Ronan (que é a cara de Frank Sinatra!) e confirmou
o seu favoritismo ao ganhar o prêmio de melhor atriz. Jared Leto (Clube de Compras
Dallas) foi o melhor coadjuvante e proferiu o discurso mais politizado da noite
ao dar apoio incondicional aos insurgentes da Ucrânia e da Venezuela.
O
melhor ator foi Matthew McConaughey, comprovando que o esforço dos últimos anos
para abandonar as comédias românticas dos grandes estúdios e mergulhar de cabeça
nos papéis sérios proporcionados pelos filmes de baixo orçamento não foi em vão.
O melhor roteiro originaL foi para Spike Jonze e o Seu delicado “Her”, enquanto que o adaptado ficou com “12 Anos de Escravidão”. Este último ainda abocanhou o
merecido prêmio de melhor filme do ano e
consagrou uma jovem nascida no México e criada
na Africa que atende pelo nome de Lupita em homenagem a Nossa Senhora de
Guadalupe, padroeira do seu país natal. Lupita Nyang’o foi a grande estrela da
noite e ao subir ao palco para receber o prêmio de melhor atriz coadjuvante foi
aplaudida de pé e proferiu o discurso mais emocional da noite. Linda, jovem,
bem articulada e alçada a categoria de novo ícone fashion devido a maneira
elegante e despojada com a qual se veste. “Gravidade” recebeu todos os prêmios
técnicos e o seu diretor Afonso Cuáron foi o melhor diretor do ano e o primeiro
latino americano a receber a honraria. “Frozen” foi a melhor animação e “O Grande
Gatsby” recebeu os prêmios de figurino e design de produção. Ambos merecidos,
sem dúvida. O sublime “A Grande Beleza” foi o melhor filme estrangeiro.
O
grande perdedor da noite foi “Trapaça” que tinha 10 indicações e não levou
nada. Ponto para a Academia que não caiu no engodo que é esta obra. O filme é
uma comédia muita boa, mas o que vemos nele já foi mostrado por Martim Scorsese
há mais de vinte anos. O tema da corrupção, os movimento circulares e ousados
de câmera e o uso de uma trilha setentista de qualidade pontuando vários momentos
da narrativa foram emulados do método de filmar de Scorsese. Num ano onde o grande
mestre voltou a velha forma com o excelente “O Lobo de Wall Street”, premiar
uma cópia das suas obras realizada pelo supervalorizada David O. Russel seria uma
blasfêmia. Como isto não ocorreu, todos foram absolvidos.
Em
termos gerais, os resultados satisfatórios deste ano são um reflexo direto da
nova gestão da academia que ficou a cargo de uma mulher. Cheryl Boone Isaacs apresentou
durante o seu discurso qual o futuro da Academia e demonstrou frescor aliado a
coerência ao tratar da indústria cinematográfica. A própria seleção dos filmes
indicados este ano foi um exemplo desta nova visão, já que as campanhas
milionárias de marketing dos grandes estúdios não surtiram o efeito esperado.
Tanto que Tom Hanks ficou de fora da categoria de melhor ator, apesar do seu filme
“Capitão Phillips” ter sido prestigiado, e a milionária Oprah e o longa “O Mordomo da Casa Branca” ficaram no vácuo.
Com
a entrega do Oscar podemos, finalmente, anunciar que o ano cinematográfico de
2014 teve início!