quinta-feira, abril 06, 2006

O PODER DA GELÉIA

CONFITUUR
Idem, Bélgica/Suíça, 2004. De: Lieven Debrauwer. Com: Rik Van Uffelen, Marilou Mermans, Chis Lomme, Viviane De Muynck, Ingrid De Vos, Jasperina de Jong.L/DR. Visto 21/03. 84 min.
Comentário:
Confituur (geléia) é uma delicada parábola sobre o desgaste natural das relações humanas diante da inevitável e difícil passagem do tempo. A história é centrada num casal de idosos, prestes a comemorar 50 anos de união, formado pelo mal humorado Tuur, proprietário de uma pequena sapataria, e pela doce Emma, uma dedicada dona de casa. Os dois não dormem mais no mesmo quarto há muito tempo, face os roncos do marido, e quase não dialogam mais, deixando as rédeas da casa e do destino da pequena família nas mãos da temperamental Gerda, irmã de Tuur, que em virtude de uma doença congênita não consegue mais andar e passa os dias sobre uma cama supervisionando as atividades domésticas e interferindo na vida pacata do velho casal.
No dia da festa para comemorar as bodas de ouro, Tuur decide dar um basta na rotina diária e abandona a esposa sem deixar explicação alguma, indo morar com sua outra irmã Josée, defenestrada desde cedo pela família por ter optado viver entre as luzes e o brilho do palco de um cabaret. Desolada de início, mas conformada como de costume, Emma aos poucos vai adquirindo vontade própria e transformando os seus dias. De mulher triste e submissa, torna-se empreendedora e passa a ganhar dinheiro com a venda das geléias que outrora eram feitas para o consumo próprio. Apoiada pela única filha e pela cunhada deficiente, a doce senhora toma para si o controle da própria vida e, pela primeira vez em muitos anos, redescobre a alegria de viver.
No outro extremo, o velho Tuur começa a sentir saudades da vidinha sem graça e novidade que havia deixado para trás e que era a única que conhecia e, no fundo, gostava. Cabisbaixo e calado, aproveita o clima de tristeza causado pelo velório de Gerda, que morreu vítima de uma queda, para ir voltando ao antigo lar. Silenciosamente, recomeça a ajudar Emma nas rotinas domésticas e ao final do dia é recompensado com a imagem do seu velho pijama bem passado e meticulosamente colocado sobre a cama, simbolizando o perdão da esposa. Mas dessa vez algo mudou, os papéis se inverteram e agora é Tuur quem acorda a mulher para trabalhar.
Um belo exemplar do moderno cinema belga, cuja cinematografia nunca foi devidamente prestigiada. O tema da terceira idade é recorrente na filmografia do jovem Lieven Debrauwe, que estreou no longa-metragem com Pauline & Paulette (2002), sobre o tortuoso conflito vivido por três velhas irmãs, que recebeu o prêmio do júri ecumênico em Cannes, e fez uma bela carreira internacional. Confittur é o segundo longa do diretor. Mais consistente e tecnicamente superior ao anterior, tem na força das interpretações de um elenco formado por veteranos, e no uso correto das pausas e dos silêncios prolongados, duas grandes qualidades. Destaque para as mágicas seqüências que ocorrem quando o diretor sincroniza com perfeição as ações dos personagens com a música incidental, criando um inusitado e divertido concerto visual, onde até os gritos e reclamações da velha Gerda transformam-se, aos olhos da câmera, nas orientações de um exaltado maestro. Pura poesia.

Um comentário:

Roberto Pepino disse...

Um belíssimo filme, tristemente esquecido por nossas locadoras. Parabéns pela dica!