quarta-feira, junho 13, 2007

UM CINEMA SEM CONCESSÕES

O cinema de Fernado Arrabal não é para ser compreendido, mas sim apreciado. Dramaturgo, amante das artes e discípulo de Salvador Dali, ele consegue transpor para a tela do cinema argumentos absurdos e cenas desconcertantes que prendem a atenção desde o primeiro frame e fazem juz as pinturas consagradas pelo mestre do surrealismo. É arte pura em película.
No seu segundo longa-metragem como diretor J´IRAI COMME UM CHEVAL FOU(1973), ele conseguiu a proeza de ser censurado na liberal França e ter causado polêmica e mal-estar nos poucos países onde foi exibido. A obra acompanha a desconcertante via-crucis vivida do playboy Aden Rey (vivido pelo norte americano George Shannon), que inicia a trama peregrinando sem rumo pelo deserto, como se fugisse de algo. Na verdade, ele matou a própria mãe (afrancesa EmannelleRiva, estrela do clássico Hiroshima Mon Amour), com quem mantinha uma forte relação edipiana. Desamparado e perdido na aridez de uma paisagem morta, ele encontra na solitária figura do pigmeu Marvel, o amor e a afeição da mãe morta, iniciando uma estranha relação homo-erótica, mais insinuada do que explicitada. Totalmente dependendente do pequeno homem, Aden o leva para a cidade grande, onde a pureza do selvagem é engolida pela crueldade das pessoas e pela frieza da metrópole. Perdido, Marvel foge para o seu habitat natural, tendo Aden em seu encalço. O reecontro do dois é inevitável e traz consequências trágicas pois resulta na morte do playboy a pauladas, executada pelo pigmeu que em seguida come a carne do rapaz, numa forte sequência que funciona como metáfora da união eterna daqueles dois seres tão diferentes e ao mesmo tempo tão dependentes, unidos para sempre numa simbiose perfeita de corpo e mente.
Os mais sensíveis ficarão chocados com as imagens fortes jogadas na tela sem concessão alguma. São vísceras expostas, membros eretos, pessoas urinando e defecando, um travesti desnudo com a genitália a mostra e várias outras leviandades, mescladas com cenas impregnadas de beleza e plasticidade cênica. A trama não é contada de forma linear, mas o objetivo é esse mesmo: confundir mais do que explicar e soltar pistas durante toda a projeção sobre acontecimentos passados e futuros, apoiados em metáforas poderosas. Instigante, ousado, obsceno, violento, enfim um coquetel de emoções díspares de difícil, porém saborosa ingestão.

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