sábado, junho 16, 2007

TAXIDERMIA

Três histórias, três épocas e três gerações. Avó, pai e filho tendo como cenário a ascensão e queda do comunismo na Hungria. O primeiro trabalha como capataz na fazenda de um militar em pleno inverno e tenta sublimar os seus desejos carnais, mergulhando num mundo de fantasias, onde a realidade funde-se com a ilusão e o resultado é imprevisível. O segundo é fruto do adultério da mulher do patrão com o capataz e desde bebê chama a atenção por ter nascido com uma deformidade genética que provocou uma protuberância ao final da coluna, que faz lembrar um rabo suíno. Comilão desde criança, torna-se campeão num esporte mórbido onde os competidores (todos obesos) comem até vomitar (!). O terceiro é taxidermista e tenta dividir-se entre o trabalho extenuante que consiste em preservar as características físicas de animais mortos através de metódos científicos e os cuidados com o pai, que ficou imóvel e grotesco devido ao excesso de peso.
Através dos três personagens, acompanhamos flashes da história da própria Hungria, já que o longa começa na Primeira Guerra Mundial, adentra os anos de chumbo do regime comunista e chega aos dias atuais sem fazer concessões de nenhuma ordem. Caprichando na estética visual e no realismo gráfico de algumas cenas, capazes de revirar o estômago e colocar para correr os espectadores mais sensíveis, o diretor Pálfi propõe um jogo fascinante que coloca em cena temas complexos e vitais aos seres humanos como o sexo, a comida e a morte. Por estar dividido estruturalmente entre esses três ciclos, “Taxidermia” foi comparado por alguns críticos ao filme “Saló” do mestre Píer Paolo Pasolini. Comparação essa totalmente inócua, já que o segundo é uma das mais duras e cruéis críticas ao nazismo já feitas e considerado o filme mais transgressor de todos os tempos, tendo sido banido em vários países à época de seu lançamento.
O roteiro, escrito pelo próprio diretor em parceria com a esposa Ruttkay, é baseado nos trabalhos do escritor húngaro Parti Nagy Lajos e impregnado de uma fina ironia, presente até nos momento mais mórbidos e olha que não são poucos. Durante toda a trama somos desafiados por cenas desconcertantes e ao mesmo tempo necessárias ao contexto tratado. Logo de início, um pênis ereto e flamejante serve de metáfora ao desejo reprimido; em seguida, o vômito constante dos personagens indicam que os excessos (independente do que sejam) nunca trazem felicidade e causam dependência; e, por último, o volume de sangue e vísceras revelam a fragilidade humana diante da morte.
Um belo e forte tratado em celulóide sobre a vida e a morte, que só peca pela falta de consistência do roteiro ao tentar ligar as três histórias, já que a primeira fica destoante se comparada as outras duas, que apresentam uma seqüência lógica ao manter a figura do pai obeso como ponte narrativa, enquanto que os personagens do primeiro segmento somem totalmente na trama seguinte. Mas o resultado final é realmente instigante e inovador. Uma curiosidade: a trilha sonora é assinada por Amon Tobin, que nasceu no Rio de Janeiro e pratica o trip-hop.
Taxidermia - Der Ausstopfer. Hung./Áustria/França, 2006. De: György Pálfi. Com: Csaba Czene, Gergely Trócsányi, Marc Bischoff, Adél Stanczel, Piroska Molnár. 91 min.

Nenhum comentário: