sábado, junho 17, 2006

OS VIVOS E OS MORTOS

LAD DE SMA BORN
Idem. Dinamarca, 2004. De: Paprika Steen. Com: Sofie Gråbøl, Mikael Birkkjær, Laura Christensen, Lars Brygmann, Karen-Lise Mynster, Søren Pilmark, Lena Endre. A/DR. 104 min.
Será que os seres humanos são capazes de superar as perdas impostas pela vida? É a pergunta que o filme procura a todo instante responder. Seja através do casal principal, que perde a filha única num trágico atropelamento e não consegue reconstruir a vida; no casal formado por Nisse e Vivi, que ao optar por uma vida sexual mais intensa, deixou o tempo passar e perdeu a chance de ter filhos; na figura da jovem mãe solteira que perdeu a oportunidade de dar um lar digno ao seu bebê e vive sob a tutela da assistência social; e na figura patética e sofrida da corretora de imóveis que separou-se do marido, tornou-se alcoólatra e provocou a morte acidental de uma criança. São perdas e danos irreversíveis que pairam sobre as cabeças de cidadão comuns, perdidos no meio de sentimentos adversos, dúvidas recorrentes e sofrimento intenso.
Essa colcha de retalhos tecida por pequenas e intensas tragédias humanas compõem a poderosa estréia por trás das câmeras da atriz dinamarquesa Paprika Steen, musa do movimento Dogma 95, onde estrelou “Festa de Família” e fez uma pequena participação em “Os Idiotas” de Lars Von Trier. Loira e boa atriz, ela demonstra segurança e competência num filme denso, sem concessões e apoiado por um elenco primoroso. Vale destacar a contida interpretação do ator Mikael Birkkjaer (que havia visto antes no filme Oh Happy Days, no apagado papel de marido da protagonista), que centraliza no olhar marejado toda a dor e a fúria sentidas pela perda da filha única; e a atriz Karen-Lise Mynster, que foi protagonista no filme de estréia de Liv Ullman (Sofie), e aqui rouba a cena como a mulher responsável pelo atropelamento fatal da filha única do casal central (essa cena não é mostrada, pois o filme começa cinco meses após esse incidente), uma alcoólatra inconveniente que vive marcando encontros infrutíferos com estranhos, para aplacar a solidão e manter a sanidade mental. Ela trabalha como corretora de imóveis e todas as manhãs, antes de sair para a labuta diária, ensaia um sorriso mecânico diante do espelho e decora frases de efeito para vestir o personagem da profissional simpática e equilibrada que há muito deixou de ser.
Duas cenas merecem destaque: a bestial vingança perpetrada pelo pai contra a corretora e o belo final onde o casal tenta trocar de carro, por considerá-lo grande demais para apenas duas pessoas, e a esposa chora e fala pela primeira vez sobre a perda da filha, diante de um atônito vendedor de carros. Este, aliás, é responsável pela frase que irá nortear a vida do casal: - Carros grandes são bons para realizar viagens longas. O casal se entreolha, desiste da compra, entra no carro decidido a recomeçar e a câmera os acompanha distanciando-se pelas ruas da cidade. Os letreiros sobem e ao fundo ouvimos a música “Loosing my Religion” (do REM) na voz sensual de Nina Parssons, vocalista da banda nórdica The Cardingans. Belo e tocante.

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