domingo, janeiro 08, 2006

ESTRANHOS NO NINHO

O cinema já retratou algumas vezes a loucura humana nas suas diversas formas de manifestação. Atores e atrizes ganharam prêmios com impressionantes e perfeitas caracterizações, e foram consagrados mundialmente. Mas muitas vezes esquecemos de citar que verdadeiros deficientes mentais fizeram carreira no cinema chegando, inclusive, a ganhar prêmios (!). Um caso marcante é o do alemão Bruno S., descoberto pelo diretor Werner Herzog, quando este assistiu a um documentário de 1970, sobre a sua vida. Filho de uma prostituta, foi abandonado pela mãe aos três anos de idade e passou os 23 anos seguintes em várias instituições para doentes mentais, até que recorreu a justiça, conseguiu alta médica e tornou-se um músico e pintor andarilho. Sua vida mudou em 74, quando Herzog lhe ofereceu o papel título no filme O ENIGMA DE KASPAR HAUSER, um sucesso mundial. Em seguida, ainda trabalharam juntos em STROSZEK (1977), mas a parceria terminou aí. Herzog enfrentava muitos problemas para ensaiar Bruno, que não conseguia decorar as poucas falas e tinha dificuldade até de se posicionar corretamente diante das câmeras. Muito do que se vê em KASPAR HAUSER é espontâneo. Após essas duas experiências, Bruno não fez mais nada em cinema e seu paradeiro é desconhecido.
Um fato recente e que gerou repercussão internacional, aconteceu no renomado Festival de Cannes. Em 1999, o júri era presidido pelo polêmico e esquisito diretor David Cronenberg e surpreendeu o público com as estranhas escolhas na noite de premiação. Num ano repleto de obras do calibre de TUDO SOBRE MINHA MÃE(Almodóvar) e A CARTA (Manoel de Olivera), resolveram prestigiar o lento e difícil A HUMANIDADE, do francês Bruno Dummont. Ele recebeu o Grande Prêmio do Júri (segundo em importância, o principal é a Palma de Ouro que ficou com o belga ROSETTA, dos irmãos Dardenne) e os protagonistas, ambos amadores e desconhecidos, foram nomeados melhor ator e melhor atriz do Festival. Quando a ator, Emannoel Schotté, subiu ao palco para receber o seu prêmio, a surpresa foi geral. No filme, ele é um investigador que fala pouco e tem um visível déficit mental, como era a sua estréia todos pensaram, principalmente o júri, que ele estava interpretando. Grande engano, o que Emannuel faz no filme é ser ele mesmo, agir como se não estivesse atuando. Que gaffe! Até o presente momento, o rapaz ainda não fez outro filme e o Festival desde então mudou o seu diretor e está mais cauteloso com a escolha do júri.
Antes de terminar, não posso deixar de lembrar da louca mais famosa a brilhar nas telas. Aliás, suposta louca, pois muitos pontos da sua trajetória são questionáveis. Loura,bela e inteligente, Frances Farmer, teve a trágica vida filmada em 82 e personificada magistralmente por Jessica Lange. Nascida em Seattle, no ano de 1913 e filha de um bem sucedido advogado, desde cedo se destacou nos estudos e começou a flertar com os ideais comunistas. Esse flerte tornou-se paixão quando ela ganhou um prêmio literário promovido por revista local e foi premiada com uma temporada na União Soviética. De volta aos EUA, estudou jornalismo e drama na Universidade de Washington e foi tentar a sorte em Nova York. Lá participou de peças teatrais e foi descoberta por agentes do estúdio Paramount, onde assinou contrato de 07 anos e fez a sua estréia no cinema com o filme TOO MANY PARENTS (1936), de Robert McGowan, dando início a uma promissora carreira cinematográfica. O seu caráter independente e a sua instabilidade emocional, aliados a uma insuspeitável tendência ao alcoolismo, geraram problemas com o famoso estúdio e o seu contrato foi cancelado em 42. No final desse mesmo ano, foi detida por dirigir embriagada e declarada "mentalmente incompetente". Iniciava-se aí o seu calvário por vários sanatórios, com direito a choques elétricos e lobotomia cerebral. Só recebeu alta em 1949 (!) e nunca mais conseguiu reerguer a sua carreira, só realizando mais um único filme em 1958. Teve um programa de TV que durou 06 anos, casou três vezes e morreu de cancêr em 1970, aos 56 anos. Talvez a sua loucura maior foi ter sido transgressora e muito avançada para o seu tempo, ou talvez inteligente demais para personificar o papel da loira burra e sensual, tão comum na década de 30 em Hollywood. Enfim, são suposições sobre uma matéria muito difícil de ser estudada: a condição humana. E para finalizar, eu pergunto: O que é a loucura, afinal? Responda se for capaz, pois".....louco é quem me diz, e não é feliz, eu sou feliz..........".

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