quarta-feira, janeiro 18, 2006

EM BUSCA DA PRÓPRIA EXISTÊNCIA

FILME DEMÊNCIA
Idem, Brasil,1986. De: Carlos Reichenbach. Com: Ênio Gonçalves, Emilio Di Biasi, Imara Reis, Fernando Benini, Alvamar Taddei, Vanessa, Renato Máster, Roberto Miranda, Rosa Maria Pestana, Orlando Parolinni. A/DR. Visto em 15/01 (CineBrasil TV). 90 min.
Sinopse
Um pequeno industrial de cigarros, falido economicamente e em crise doméstica, sai de casa e passa a refugiar-se nas visões sobre um suposto paraíso. Na busca pelo idealizado Éden, cruza com vários personagens: o amigo malandro, a amante, prostitutas, cafetões e outras figuras estranhas.Como na lenda de Fausto, passa a ter alucinações com Mefisto, que durante a história lhe aparecerá de várias formas, ora como traficante noturno, ora como uma cândida velhinha, ou como um louco mendigo
Comentário
Reichenbach é um caso único dentro da cinematografia brasileira. Enquanto o cinema novo teve como berço o Rio de Janeiro e como condutores os jovens cineastas que se instalavam na terra da garota de IPANEMA, nascidos no próprio Rio e/ou vindos de outras regiões brasileiras, Carlão (apelido carinhoso e proporcional aos quase dois metros de altura) e seus amigos instalaram as bases do novo cinema paulista que surgia no final dos anos 60. Sem compromisso algum com ideais políticos e sem ajuda de órgãos públicos como a Embrafilme, desenvolveram um cinema autoral livre e jovem, bancado pela iniciativa privada nacional e com forte apelo popular. Acompanhando a evolução dos costumes sociais e pegando carona na revolução sexual, as produções começaram a ficar mais apimentadas e o público ,cada vez mais curioso e excitado, comparecia em massa as salas de exibição. Amparados por histórias divertidas, baseadas nas chanchadas produzidas nos anos cinqüenta, e com pitadas de sexo e muita, mais muita mulher pelada, os filmes paulistas inauguraram um dos gêneros mais rentáveis do cinema nacional: as pornochanchadas .Foi um período profícuo, onde até os cariocas pegaram carona na novidade e muitos expoentes do “cinema novo” tiveram que incluir mais sexo nas suas obras. Apesar da forte censura imposta pelo regime militar, os cineastas produziam sem parar e só foram barrados pelo advento dos videocassetes e das baratas produções com sexo explícito. Alguns tiveram que usar pseudônimos e aderir a nova moda erótica, colocando no mercado títulos toscos e de mau gosto como “Senta no meu, que eu entro na tua”, “Oh, rebuceteio!”, “Como afogar o ganso” e daí para baixo. Mas o grande golpe veio anos depois, com a sumária extinção da Embrafilme pelo Governo Collor. Era o fim de qualquer resquício de produção nacional, que levaria anos para se recuperar e iniciar uma nova e gloriosa fase, com obras do quilate de Central do Brasil e Cidade de Deus. Mantendo-se a margem,,Carlão conseguiu o feito notável de filmar ininterruptamente até os dias de hoje e nunca ter feito concessões comerciais dentro das suas obras. É verdade que fazia uso de títulos com apelo erótico como “A Ilha dos Prazeres Proibidos” e “Império do Desejo”, mas nunca perdeu o foco na construção de roteiros instigantes e na elaborada parte técnica de seus filmes. É um excelente e premiado diretor de fotografia e ganhou uns trocados na época dos explícitos trabalhando nessa área no filme de amigos. Foi favorecido pelo fato só ter usado o dinheiro público uma única vez dentro da suas extensa filmografia. Isso ocorreu na elaboração da sua obra mais pessoal e hermética: Filme Demência. Com um roteiro que mescla dados biográficos(o diretor é filho e neto de industriais) e muita filosofia (vemos na tela frases de Goethe, e várias referências a Murnau e outros cineastas), é uma adaptação muito pessoal da lenda de Fausto, que vende a alma a Mephisto em troca do suposto paraíso. O Fausto de Reichenbach é um industrial falido que sai pelas ruas noturnas de São Paulo tentando compreender a própria existência, e é perseguido por um Mefisto detentor de várias personalidades (mendigo,velhinha) e atormentado pelas visões de uma praia e de uma menina misteriosa. É um exercício lingüística que irá fascinar alguns e irritar outros, mas é inegável o seu valor. Por falta de recursos(na época a Embrafilme já passava por dificuldades), a filmagem foi interrompida três vezes e só foi concluída graças a persistência do diretor e dos atores centrais: Ênio Gonçalves, como um atormentado Fausto, e Emilio Di Biasi, no papel do travestido Mephisto. Ame-o ou deixe-o. Premiações:Festival de Gramado: Melhor Diretor (Carlos Reichenbach), Melhor Ator Coadjuvante (Emílio Di Biasi), Melhor Atriz Coadjuvante (Imara Reis), Melhor Montagem (Eder Mazini) e Prêmio da Crítica (Melhor Filme)* 3º Rio Cine Festival: Melhor Ator (Ênio Gonçalves) e Melhor Trilha Sonora (Manoel Paiva & Luiz Chagas)* Troféu Macunaíma - Federação Nacional de Cine-Clubes (melhor filme de 86) Festivais Internacionais Rotterdam, Salssomagiore, Montreal, Edinburg, Ghent, etc.* Votado no Festival de Rotterdam para o prêmio de "filme inovador do ano".

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