sábado, março 18, 2006

AS CONTRADIÇÕES DA ALMA

O MUNDO DE LELAND
The United States of Leland. EUA, 2003. De: Matthew Ryan Hoge. Com: Don Cheadla, Ryan Gosling, Jena Malone, Chris Klein, Kevin Sapecey, Lena Olins, Michelle Williams, Martin Donovan, Ann Magnuson, Kerry Washington, Sherilyn Fenn, Matt Malloy, Michael welch. OP/DR. Visto 12/03 (DVD) 108 min
Comentário:
O maior prazer para um cinéfilo é descobrir pequenas obra-primas em celulóide. E o melhor é quando essa descoberta reside em títulos obscuros e desconhecidos. Nunca tive vontade e nem planejei assistir ao filme O Mundo de Leland, tanto que ele me chegou por acaso,através de um irmão. Lançado direto em DVD, ele sequer foi comentado pelas revistas especializadas e sites de renome. Uma falta grave, pois é daquelas obras que grudam feito chiclete e continua viva na memória dias, meses e até anos depois de termos assistido. É cinema que acrescenta e nunca subtrae.
Trata-se de mais um belo exemplar do que vem sendo produzido pelo cinema independente americano. Bancado pelo ator Spacey e dirigido pelo desconhecido Matthew Ryan Hoge (cuja experiênca anterior se resume a uma comédia pouco vista chamada Self Storage, de 1999), O Mundo de Leland é um filme complexo, mas perfeitamente compreensível. Fala das inquietações e dos temores humanos, da falência das famílias modernas e da ausência de perspectivas por parte dos jovens, outrora rebeldes e hoje seres apáticos, sem rumo e conteúdo algum.
O mundo do jovem Leland Fitzgerald, um adolescente de 16 anos, é sombrio, triste e feito de pequenos contentamentos, como namorar a jovem Becky Pollard, uma garota frágil e há muito mergulhada no mundo das drogas. Filho de um escritor renomado, cujo grande talento é proporcional a arrogância, o garoto foi criado pela mãe e não vê o pai desde os seis anos de idade, quando este os abandonou.
Somos apresentados a trama pela narração em off do protagonista, que tece uma série de questionamentos interessantes e dá a entender que fez algo de errado naquele dia, mas não consegue lembrar o quê. Na verdade, Leland cometou um crime e não nega a autoria do mesmo, mas não sabe discorrer sobre as razões que o levaram ao delito. O mais chocante, é que a vítima é o inofensivo irmão caçula de sua namorada, portador de deficiência mental. Após esse inicio forte e cheio de mistério, o diretor vai confeccionando coerente e lentamente a colcha de retalhos formada por Leland e todos os outros personagens que o circundam. É um carrossel de emoções diversas construído de forma hábil, aonde o uso de idas e vindas narrativas é constante, mas jamais confuso ou capaz de desviar o foco da ação.
Preso, o jovem começa a chamar a atenção pela sua inteligência e conformismo e concorda em relatar a sua vida ao professor da unidade corregional, um escritor frustrado que vê na história o tema ideal para um livro de sucesso. É dele,inclusive, uma frase genial:” ...um indivíduo só se torna escritor quando as pessoas lêem a sua obra...... “. A relação do dois é pautada na confiança mútua e é bastante curioso ver a moral e a ética do professor supostamente “íntegro” ser questionada por um “assassino” confesso, quando o primeiro traí a namorada de muitos anos com uma jovem colega de trabalho pelo simples e instintivo prazer sexual.
Não esperem uma solução óbvia demais, pois as razões para o crime estão no interior do jovem Leland, que carrega dentro de si um universo vasto de emoções contraditórias, sentimentos dúbios e dúvidas recorrentes. Quase sempre impassível, sem demonstrar emoções, ele transita entre o bem e o mal e mata o garoto para exorcisar toda a tristeza que envolve o seu ser e salvar de uma vida limitada e infeliz as pessoas que ama. O final é extremamente comovente e evita qualquer julgamento moral, pois o próprio Leland também é uma vítima gerada e criada no seio de uma sociedade destruída pela violência, destituída de valores éticos e submersa na vala comum da hipocrisia.
Destaque para todo o elenco, formado pelos mais talentosos atores do momento. Gosling confirma todas as expectativas e, aos 23 anos, dá veracidade e conteúdo a um personagem difícil, sete anos mais jovem, e que não emite emoção alguma. Don Cheadle compõe um escritor e professor dedicado, totalmente dividido entre a vontade de ajudar e ao mesmo tempo tirar proveito da história em benefício próprio. Neste ponto ele se iguala ao ausente e ambicioso pai de Leland, que colocou a carreira acima de tudo e é personificado, com a competência habitual, por Spacey. Por fim, temos a gracinha da Jena Malone como a namorada drogada e Martin Donovam, uma figura constante nas obras independentes, como o pai do garoto assassinado. A única exceção é o fraco Chris Klein, totalmente inexpressivo num papel chave. Mas não compromete o excelente resultado final.

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